Por Jefferson Souza
A recente publicação da Solução de Consulta COSIT nº 61/2024 pela Receita Federal do Brasil (RFB) reacendeu o debate sobre a inclusão do adicional de alíquota do ICMS, destinado aos Fundos Estaduais de Combate à Pobreza (FECP), na base de cálculo das contribuições ao PIS e à COFINS. Este tema tem gerado preocupações entre os contribuintes, especialmente à luz da decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) no Tema 69, que consolidou o entendimento de que o ICMS não compõe a base de cálculo dessas contribuições. Em outro artigo publicado aqui na plataforma, intitulado “Diferente do ICMS, FECP não pode ser excluído da base do PIS e da COFINS, segundo a Receita” externei na época como a Fazenda se posicionou sobre assunto.
Agora, neste breve artigo, buscaremos, sem intuito de esgotar o assunto, analisar os fundamentos legais e jurisprudenciais que sustentam a exclusão do adicional destinado ao FECP da base de cálculo do PIS e da COFINS, bem como as implicações práticas para as empresas.
Os Fundos Estaduais de Combate à Pobreza (FECP) foram instituídos pela Emenda Constitucional nº 31/2000, que acrescentou o artigo 82 ao Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT). A finalidade desses fundos é proporcionar a todos os brasileiros acesso a condições dignas de vida, por meio de ações nas áreas de nutrição, habitação, educação, saúde e reforço de renda familiar. Para financiar essas iniciativas, os Estados e o Distrito Federal foram autorizados a criar um adicional de até dois pontos percentuais na alíquota do ICMS sobre operações internas, conforme o §1º do artigo 82 do ADCT.
Diversos Estados regulamentaram a cobrança desse adicional, estabelecendo percentuais que variam entre 1% e 4%. No Rio de Janeiro, por exemplo, a Lei nº 4.056/2002, regulamentada pelo Decreto nº 32.646/2003, fixou uma alíquota adicional de 2% destinada ao FECP.
Como se sabe, em 2017, o STF, ao julgar o Recurso Extraordinário nº 574.706/PR sob o regime de repercussão geral (Tema 69), firmou a tese de que “o ICMS não compõe a base de cálculo para a incidência do PIS e da COFINS”. O fundamento principal foi que o ICMS, embora transite pelo caixa das empresas, não representa faturamento ou receita própria, mas sim um valor que deve ser repassado aos cofres estaduais.
Essa decisão trouxe um importante precedente para os contribuintes, que passaram a excluir o ICMS destacado nas notas fiscais da base de cálculo do PIS e da COFINS. No entanto, surgiram questionamentos sobre a possibilidade de estender esse entendimento ao adicional de ICMS destinado ao FECP.
No entanto, a RFB, por meio da Solução de Consulta COSIT nº 61/2024, manifestou o entendimento de que o adicional de ICMS destinado ao FECP não deveria ser excluído da base de cálculo do PIS e da COFINS. Argumentou que o adicional possui natureza jurídica distinta do ICMS, baseando-se nos seguintes pontos:
- Cumulatividade do adicional: Ao contrário do ICMS, que é não cumulativo, o adicional ao FECP seria cumulativo, gerando efeito cascata nas operações subsequentes.
- Vinculação específica: O adicional tem destinação específica, característica que não se aplica aos impostos em sentido estrito, que são desvinculados.
- Ausência de repartição de receitas: O adicional não está sujeito à repartição de receitas prevista no artigo 158, inciso IV, da Constituição Federal, que determina o repasse de 25% da arrecadação do ICMS aos municípios.
Com base nesses argumentos, a RFB concluiu que o adicional ao FECP não compartilharia da mesma natureza jurídica do ICMS e, portanto, não poderia ser excluído da base de cálculo das contribuições.
Os argumentos da RFB, no meu entender, merecem uma análise mais “criteriosa”. Na minha visão, o adicional de alíquota do ICMS para o FECP é uma extensão do próprio ICMS, conforme autorizado pela Constituição. Os pontos que reforçam essa posição são:
- Previsão constitucional: O artigo 82 do ADCT legitima os Estados a instituírem o adicional na alíquota do ICMS para financiar os FECP.
- Mesma base de cálculo e fato gerador: O adicional incide sobre as mesmas operações e fatos geradores do ICMS, não havendo distinção na essência da tributação.
- Administração tributária unificada: A arrecadação e fiscalização do adicional são realizadas pelos mesmos órgãos responsáveis pelo ICMS, utilizando os mesmos mecanismos e controles.
Portanto, apesar da destinação específica, o adicional mantém a natureza de imposto estadual, inserido no contexto do ICMS.
Vale ressaltar também que a cumulatividade não é um critério determinante para definir a natureza jurídica de um tributo. Além disso, a Constituição admite exceções ao princípio da não vinculação, permitindo que certos impostos tenham destinação específica, como é o caso do adicional para os FECP. Assim, a vinculação não descaracteriza a natureza de imposto do adicional.
Em outro plano, a falta de repartição de receitas com os municípios não altera a essência do tributo. A repartição é uma questão de direito financeiro e administrativo, que não influencia a relação jurídico-tributária entre o contribuinte e o Estado. A Constituição autoriza que certos recursos sejam destinados a fundos específicos, sem obrigatoriedade de repartição.
A mídia especializada tem veiculado que decisões judiciais recentes têm reconhecido o direito dos contribuintes de excluir o adicional destinado ao FECP da base de cálculo do PIS e da COFINS. Dentre elas, destacam-se:
- 3ª Vara Federal de Juiz de Fora/MG (Processo nº 6005420-78.2024.4.06.3801): O juiz reconheceu que o adicional possui natureza semelhante ao ICMS, não integrando o faturamento da empresa.
- 6ª Vara Federal do Rio de Janeiro/RJ (Processo nº 5033811-51.2024.4.02.5101): Foi entendido que o adicional é um ônus fiscal, não refletindo riqueza própria do contribuinte.
- 1ª Vara Federal de Macaé/RJ (Processo nº 5002648-08.2024.4.02.5116): A decisão afirmou que o adicional tem a mesma natureza jurídica do ICMS e que sua inclusão na base das contribuições não seria adequada.
Essas decisões reforçam o entendimento de que o adicional ao FECP, assim como o ICMS, não constitui receita ou faturamento das empresas, sendo valores destinados ao fisco estadual. A crescente jurisprudência favorável aos contribuintes sinaliza uma tendência de reconhecimento desse direito, o que fortalece a posição das empresas que buscam excluir o adicional das bases de cálculo das contribuições. No entanto, é recomendável que os contribuintes avaliem cuidadosamente a melhor estratégia a ser adotada, considerando a possibilidade de litígio e os potenciais impactos fiscais.
Assim, a inclusão do adicional do FECP na base de cálculo do PIS e da COFINS, com base na jurisprudência consolidada do STF, representa um aumento na carga tributária das empresas. Diante desse cenário, muitos contribuintes têm buscado o Judiciário para assegurar o direito de exclusão desse valor das bases de cálculo das contribuições, considerando que a Solução de Consulta da RFB, apesar de servir como uma baliza norteadora, não possui de fato efeito vinculante para os contribuintes em geral, nem para o Poder Judiciário. Portanto, as empresas podem questionar judicialmente a orientação fiscal e pleitear a restituição de valores indevidamente recolhidos.
À luz da análise jurídica e dos precedentes judiciais aqui mencionados, conclui-se, na minha opinião, que o adicional de ICMS destinado aos FECP compartilha da mesma natureza jurídica do ICMS. Portanto, em consonância com a decisão do STF no Tema 69, não deve compor a base de cálculo do PIS e da COFINS.
A postura da Receita Federal, ao desconsiderar esse entendimento, gera insegurança jurídica e pode ser vista como contrária aos princípios constitucionais tributários. A crescente jurisprudência favorável aos contribuintes indica uma tendência de consolidação desse direito. Porém essa jurisprudência ainda acontece apenas em tribunais inferiores, e o contribuinte deve ter ciência desse contexto ao avaliar a possibilidade de discussão judicial.
Fonte: https://tributario.com.br/jefferson-souza/a-discussao-da-exclusao-do-adicional-de-icms-para-o-fecp-da-base-de-calculo-do-pis-e-da-cofins/