Em julgamento realizado em 9 de outubro de 2024, a 2ª Turma Ordinária da 1ª Câmara da 1ª Seção do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF) decidiu, por unanimidade, conceder provimento parcial ao recurso voluntário interposto pela Ipanema Comércio de Alimentos Ltda. O processo nº 10120.796426/2022-65 abordou a glosa integral de custos deduzidos na apuração do lucro real, com reflexos no IRPJ e na CSLL, referentes aos anos-calendário de 2017, 2018 e 2019.
A autuação fiscal contra a Ipanema Comércio de Alimentos envolveu um total de R$ 151.639.849,28 para o IRPJ e R$ 54.620.195,40 para a CSLL, incluindo juros e multa de 150%. A Receita Federal alegava que a empresa utilizava notas fiscais emitidas por “empresas noteiras” — empresas que emitem documentos fiscais sem a efetiva saída de mercadorias — para inflar seus custos e reduzir artificialmente a base de cálculo dos tributos devidos. Durante a fiscalização, verificou-se que diversas empresas fornecedoras estavam inaptas ou haviam sido baixadas por inexistência de fato.
O relator, conselheiro Fernando Beltcher da Silva, ressaltou que a ampla glosa dos custos contabilizados impedia uma apuração justa do lucro real, o que justificava a aplicação do regime de arbitramento para o primeiro trimestre de 2017. Beltcher da Silva mencionou precedentes do CARF e destacou que a glosa integral de custos, sem respaldo em documentação idônea, inviabilizava a manutenção do regime de lucro real, devendo-se, portanto, proceder ao arbitramento, conforme o art. 142 do Código Tributário Nacional.
A empresa alegava que a autuação baseava-se em presunções da autoridade fiscal, sem provas definitivas de fraude ou dolo. Argumentava que o ônus da prova era da Receita Federal e que a simples existência de irregularidades cadastrais de fornecedores não comprovava a emissão de notas fiscais frias. A Ipanema defendia que suas operações eram legítimas e que a glosa dos custos declarados sem a devida comprovação documental prejudicava a apuração precisa do lucro.
A defesa também questionava a aplicação da multa qualificada de 150%, alegando que não houve dolo, fraude ou simulação. Citou os princípios da razoabilidade e proporcionalidade para sustentar a redução da penalidade.
O CARF decidiu pela anulação das exigências relativas ao IRPJ e à CSLL do primeiro trimestre de 2017, determinando que o lucro fosse apurado por arbitramento devido à glosa substancial de custos. Nos trimestres subsequentes, a autuação foi mantida, com a exigência de comprovação mais robusta da dedutibilidade dos custos.
Quanto à multa de 150%, a decisão considerou a Lei nº 14.689/2023, que reduziu a penalidade para 100%, aplicando a retroatividade benigna, conforme o art. 106, II, “c”, do Código Tributário Nacional. O relator enfatizou que, mesmo com a redução da multa, a responsabilidade solidária dos administradores, Paulo Augusto Almeida de Lima e Rogério Duarte Noleto, permaneceu, com base no art. 135, III, do CTN.
Essa decisão do CARF reforçou a necessidade de as empresas documentarem adequadamente seus custos e transações para evitar questionamentos sobre a legitimidade das deduções. A glosa integral de custos pode resultar na aplicação do regime de arbitramento, impactando significativamente a tributação das empresas.
Leia a decisão na íntegra aqui.
processo nº 10120.796426/2022-65