A Confederação Nacional da Indústria (CNI) ajuizou Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) no Supremo Tribunal Federal (STF) contra a Súmula Vinculante nº 169 do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF). O enunciado questionado estabelece que o art. 24 da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB), introduzido pela Lei nº 13.655/2018, não se aplica ao processo administrativo fiscal (PAF). Na visão da entidade, a súmula viola diversos preceitos constitucionais, entre eles a separação de poderes, a legalidade, a segurança jurídica e a isonomia, por afastar de forma indevida uma norma de aplicação geral no direito público.
A ação foi proposta com pedido de medida liminar para suspender imediatamente os efeitos da súmula e, de forma subsidiária, dos processos administrativos que envolvem a aplicação do art. 24 da LINDB. Segundo a CNI, o ato administrativo que originou a súmula produz efeitos vinculantes sobre toda a Administração Tributária Federal, alcançando as Delegacias de Julgamento da Receita Federal e o próprio CARF, o que torna o afastamento do dispositivo da LINDB um ato de impacto direto e abrangente sobre contribuintes de diversos setores econômicos.
O art. 24 da LINDB prevê que a revisão de atos administrativos, judiciais ou de controle deve observar as orientações gerais vigentes à época de sua prática, sendo vedada a invalidação retroativa de situações jurídicas já consolidadas com base em mudança posterior de entendimento. O dispositivo tem como objetivo reforçar a segurança jurídica e a previsibilidade na atuação estatal, princípios que, de acordo com a CNI, foram desconsiderados pelo CARF ao editar a súmula. A entidade sustenta que a norma possui caráter hermenêutico geral, aplicável a todos os ramos do direito público, incluindo o direito tributário.
Nos fundamentos da ação, a CNI explica que o afastamento da LINDB no âmbito administrativo fiscal afronta diretamente o princípio da legalidade (arts. 37 e 150, I, da Constituição Federal), pois o CARF, como órgão integrante do Poder Executivo, não tem competência para afastar a aplicação de uma lei. O regimento interno do órgão, inclusive, veda expressamente aos conselheiros deixar de aplicar normas legais sob o argumento de inconstitucionalidade. Para a entidade, a súmula questionada representa uma usurpação de competências do Poder Legislativo e do Poder Judiciário, contrariando o art. 2º da Constituição, que consagra a separação dos poderes.
Outro ponto de destaque na petição é a alegação de violação à segurança jurídica e à vedação de retroatividade tributária. Ao permitir a revisão de lançamentos fiscais já efetuados com base em entendimentos novos, a súmula do CARF possibilitaria a cobrança retroativa de tributos, em desconformidade com o art. 150, III, “a”, e o art. 5º, XXXVI, da Constituição, que protegem o ato jurídico perfeito e vedam a cobrança de tributos por fatos geradores anteriores à alteração legislativa ou interpretativa. Na avaliação da requerente, essa prática afeta a confiança legítima dos contribuintes e compromete o próprio Estado Democrático de Direito.
A CNI também aponta que o entendimento do CARF contraria a jurisprudência consolidada dos tribunais judiciais, que vêm aplicando o art. 24 da LINDB em matérias tributárias. A entidade cita julgados de tribunais estaduais que reconheceram a irretroatividade de novas interpretações fiscais e decisões do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que qualificam o lançamento tributário como ato administrativo sujeito às garantias do direito adquirido e da segurança jurídica. Assim, argumenta que o afastamento do art. 24 no processo administrativo fiscal cria um descompasso entre as esferas administrativa e judicial, gerando insegurança e tratamento desigual entre contribuintes.
No plano conceitual, a ação reforça que a LINDB é norma de sobredireito, aplicável de forma transversal a todas as esferas do ordenamento jurídico. Por isso, somente o Legislativo poderia restringir sua aplicação a determinado ramo do direito. Ao editar a Súmula 169, o CARF teria extrapolado os limites do poder regulamentar da Administração Pública (art. 84, IV, da Constituição), conferindo à norma administrativa um conteúdo inovador e incompatível com o ordenamento vigente.
A entidade ainda invoca o princípio da isonomia (art. 5º, caput, e art. 150, II, da Constituição), ao argumentar que a distinção entre os contribuintes que discutem questões fiscais na via administrativa e aqueles que o fazem na via judicial resulta em tratamento desigual. Segundo a CNI, a aplicação do art. 24 da LINDB deve ser uniforme em todas as instâncias, sob pena de violação também ao princípio republicano (art. 1º, caput, da Constituição), que exige igualdade de condições perante a lei e previsibilidade na atuação do Estado.
Na petição, a CNI sustenta que a súmula impugnada compromete a previsibilidade do sistema tributário e afeta a liberdade de iniciativa das empresas, uma vez que a retroatividade de entendimentos fiscais cria incertezas quanto à validade de condutas empresariais passadas. O texto argumenta que a ausência de estabilidade normativa gera um ambiente de desconfiança, inibindo investimentos e afrontando valores fundamentais como a liberdade e a dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da Constituição).
Ao final, a confederação requer a suspensão cautelar da Súmula Vinculante nº 169 e, no mérito, o reconhecimento de sua inconstitucionalidade, para restabelecer a aplicação plena do art. 24 da LINDB no processo administrativo fiscal. Também solicita que sejam declarados inconstitucionais os atos administrativos e decisões judiciais que tenham afastado o dispositivo legal e permitido a cobrança retroativa de tributos com base em mudança de entendimento.
A ação é baseada nos arts. 1º, caput e III; 2º; 5º, caput e XXXVI; 37; 84, IV; e 150, I, II e III, “a”, da Constituição Federal, além do art. 24 da LINDB e do art. 146 do Código Tributário Nacional.
Fonte: https://tributario.com.br/a/cni-questiona-sumula-do-carf-que-excluiu-aplicacao-do-art-24-da-lindb/