A aplicação do Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD) tem gerado debates relevantes e decisões judiciais divergentes, especialmente diante de novas estratégias de planejamento patrimonial. Algumas situações têm provocado polêmica entre contribuintes e o Fisco como a extinção do usufruto, a transmissão de participações societárias e a distribuição desproporcional de lucros em sociedades empresariais.
Cada uma dessas hipóteses tem sido alvo de interpretações fiscais e jurisprudenciais que extrapolam, segundo especialistas, os limites fixados pelo ordenamento jurídico.
Essas discussões ilustram o crescente tensionamento entre planejamento sucessório legítimo e a ânsia arrecadatória dos entes estaduais, que, amparados por normas locais ou precedentes isolados, buscam ampliar a base de incidência do tributo. Em meio à insegurança jurídica, contribuintes enfrentam autuações e precisam recorrer ao Judiciário para afastar exigências que, muitas vezes, não encontram respaldo na Constituição Federal ou no Código Tributário Nacional.
Segundo o advogado José Luis Arisi Hobold, a exigência do ITCMD sobre a extinção do usufruto é indevida, uma vez que tal evento não configura nova transmissão de bens, mas apenas a consolidação da propriedade plena nas mãos do nu-proprietário. De acordo com o articulista, o direito de usufruto tem caráter personalíssimo e intransmissível, e sua extinção — seja por morte, renúncia ou termo final — não enseja acréscimo patrimonial.
A tentativa de enquadrar essa hipótese como fato gerador do ITCMD viola o artigo 110 do CTN, que proíbe que normas tributárias alterem definições do direito privado. Nesse interim, uma decisão do TJSC (Apelação nº 5028161-50.2024.8.24.0033), reconheceu a inexistência de fato gerador do ITCMD na renúncia ao usufruto, reforçando que a simples reunião da propriedade não equivale a doação ou herança.
Na avaliação de Ana Paula M. Costa Baruel e Ana Vitória Jacinto da Silva, a incidência do ITCMD sobre a transmissão de quotas e ações societárias também suscita insegurança jurídica, especialmente quanto à definição da base de cálculo. Uma recente decisão do STJ (REsp nº 2.139.412/MT) autorizou o arbitramento do imposto com base no valor de mercado dos ativos sociais, contrariando a legislação estadual que adota o valor patrimonial contábil.
As autoras argumentam que a norma local, nos moldes do artigo 17 da Lei nº 7.850/02 do Mato Grosso, prevê o uso do patrimônio líquido como base de cálculo, o que garante segurança jurídica. Segundo elas, ao interpretar o artigo 38 do CTN como aplicável a participações societárias, o STJ invadiu a competência dos tribunais estaduais, uma vez que o referido artigo não abrange expressamente esse tipo de bem. Elas defendem que o valor patrimonial contábil, previsto inclusive na Lei nº 10.705/2000 do Estado de São Paulo, deve prevalecer, sob pena de ilegalidade na majoração arbitrária da base de cálculo.
Gabriel Quintanilha, por sua vez, chama atenção para o uso da distribuição desproporcional de lucros como possível fato gerador do ITCMD. De acordo com o autor, apesar de ser prevista no artigo 1.007 do Código Civil, essa prática tem sido considerada como doação dissimulada quando não acompanhada de justificativa negocial.
Decisões recentes do TJ-SP (processos nº 1089011-58.2023.8.26.0053 e nº 1087688-18.2023.8.26.0053) entenderam pela incidência do ITCMD em casos em que lucros foram distribuídos em favor de sócios com participação minoritária e sem função administrativa na empresa, caracterizando animus donandi. Quintanilha alerta que, além da tributação estadual, tais situações podem atrair também o imposto de renda se houver indícios de contraprestação por serviços, sendo essencial que as estruturas societárias evidenciem um propósito negocial concreto.
Assim, as recentes controvérsias envolvendo a incidência do ITCMD revelam uma ampliação interpretativa por parte das administrações tributárias estaduais que coloca em risco a previsibilidade dos atos de planejamento sucessório.
A tentativa de tributar a extinção do usufruto ignora a natureza jurídica desse direito, enquanto a adoção do valor de mercado na transmissão de participações societárias desconsidera a legislação específica dos estados. Ambas as situações indicam uma potencial violação do princípio da legalidade estrita.
Adicionalmente, a qualificação da distribuição desproporcional de lucros como doação encobre um controle fiscal mais rigoroso sobre estruturas empresariais familiares, exigindo que os sócios apresentem fundamentos negociais robustos para afastar autuações.
Diante desse cenário, ganha relevância o papel do Judiciário na pacificação das controvérsias e a necessidade de reforma legislativa que estabeleça parâmetros mais claros e uniformes para a incidência do ITCMD, respeitando os limites constitucionais da tributação.