Por Maurício de Lion e Igor Tavares
A legislação precisa evoluir para lidar com as novas realidades do mundo digital
Conforme a sociedade e tecnologia avançam, as empresas e seus processos produtivos igualmente evoluem. Como consequência, tanto a forma como o trabalho prestado quanto o relacionamento entre empregador e empregado sofreram significativas mudanças desde que a CLT entrou em vigor.
Tais avanços tecnológicos e sociais geram desafios, preocupações e, principalmente, questionamentos. Afinal, quais são seus impactos nas relações de trabalho? Existem limites de uso? A seguir, citamos três temas atuais que deverão ser alvo de atenção para os empregadores.
O primeiro é sobre um dos assuntos mais debatidos na atualidade: os impactos da automação e inteligência artificial (IA). Empresas estão cada vez mais preocupadas no que se refere à utilização por empregados de ferramentas de melhoria de produtividade com IA para realização de tarefas.
Dentre outras questões igualmente importantes, um aspecto a ser levado em consideração é o de limitar internamente o uso de ferramentas eletrônicas de gerenciamento e acompanhamento de tarefas, bem como a inteligência artificial, por conta da falta de confiabilidade das informações fornecidas por tais recursos.
Outra preocupação envolve o plágio, já que a IA generativa obtém dados de fontes públicas, pelo que o texto gerado por uma de tais ferramentas pode ser uma reprodução integral do trabalho de outro profissional ou empresa, sem que o usuário saiba.
Assim, é importante estabelecer, por meio de políticas internas, critérios e limites para utilização das ferramentas ou, em sentido oposto, a completa proibição de seu uso, incluindo previsão de medidas disciplinares em caso de descumprimento.
Um segundo ponto a observar é o monitoramento do trabalho remoto. Após a pandemia, surgiram questionamentos sobre os limites do poder diretivo e de fiscalização do empregador em relação ao profissional que presta serviços em tal regime. Há conflito de interesses e direitos, pois por um lado há um direito legítimo do empregador e, do outro, a intimidade e privacidade do trabalhador.
Em recente precedente, o Tribunal Regional do Trabalho do Paraná (TRT-PR) concluiu que a exigência da empresa para o empregado manter a câmera do computador ligada durante toda a jornada de trabalho constitui violação indevida da privacidade do profissional, caracterizando fiscalização excessiva e invasiva, a qual poderia capturar momentos de intimidade involuntários.
Diversos outros tipos de ferramentas para monitoramento de trabalho, cada vez mais sofisticadas, tem sido desenvolvidas e utilizadas por empregadores, tais como a análise de uso da internet e sites visitados, mensagens enviadas por meio de e-mail corporativo e ferramentas internas de comunicação, períodos em que o computador permaneceu inativo, quantidade de teclas digitadas por hora e captura intermitente de tela.
A avaliação sobre a legalidade de tais ferramentas deverá levar em conta não somente os limites do poder diretivo do empregador e sua razoabilidade e proporcionalidade, como outros fatores, em especial a natureza das atividades desempenhadas e se o dispositivo utilizado pelo trabalhador é de sua propriedade ou pertence a empresa.
Vale destacar que o Judiciário ainda não analisou a validade de adoção de todos esses recursos, o que exige cautela. Assim, antes de se implementar sistemas de fiscalização ou apuração de produtividade, é necessário que a empresa consulte seus advogados para verificar a legalidade do procedimento que se pretende adotar, evitando condenações trabalhistas.
Um terceiro ponto a observar são as ferramentas para envio de texto. A comunicação instantânea, hoje popularizada pelo WhatsApp, vem se tornando o novo padrão de diálogo entre pessoas. Na mesma linha, tais ferramentas também vêm sendo utilizadas de forma ampla para fins profissionais – não raro um “grupo” é criado para que todos os integrantes de determinada equipe se comuniquem.
Pode parecer inofensivo à primeira vista, mas a utilização de tal ferramenta também gera reflexos relevantes. Durante períodos de afastamento, como férias, caso o empregado continue enviando mensagens em um grupo, é possível que se alegue no futuro a prestação de serviços durante tal período, o que traz diversos riscos ao empregador.
No mesmo sentido, o envio de mensagens por tais ferramentas fora do horário de trabalho, ainda que não diretamente relacionadas a este, podem servir para pedidos futuros para o pagamento de horas extras.
Similarmente ao uso de inteligência artificial, recomenda-se que a utilização de ferramentas de comunicação também seja regulamentada por meio de política interna, visando a estabelecer padrões e regras de uso, como proibição para envio de mensagens de qualquer tipo, mesmo que não relacionadas diretamente ao trabalho, durante o gozo de férias.
Como exposto, a aplicabilidade de novas tecnologias às relações de trabalho é um tema complexo e que irá gerar muitos debates nos próximos anos. A legislação precisa evoluir para lidar com as novas realidades do mundo digital e, diante da ausência de parâmetros doutrinários e ou jurisprudenciais consolidados, os empregadores devem avaliar com profissionais qualificados a possibilidade de implementação de determinadas ferramentas, evitando ser surpreendidos com decisões judiciais desfavoráveis no futuro.
Fonte: https://valor.globo.com/legislacao/coluna/novas-tecnologias-nas-relacoes-de-trabalho.ghtml