A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de estabelecer a incidência do ISS sobre as operações de licenciamento e cessão de uso de software representou um marco decisivo na reconfiguração do regime tributário aplicável ao setor de tecnologia no Brasil. Contudo, a clareza conferida à divisão de competências no âmbito estadual e municipal trouxe à tona novos desafios na esfera federal. A classificação dos softwares como prestação de serviços abriu caminho para alterações interpretativas por parte da Receita Federal, impactando tributos como PIS, COFINS, IRPJ, CSLL e Cide.
Ao julgar as Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) nº 1.945 e nº 5.659, o STF encerrou a histórica disputa entre estados e municípios, atribuindo competência aos entes municipais para a arrecadação tributária dessas atividades.
No entanto, o que se apresentava como solução de um conflito evoluiu para um novo conjunto de incertezas e instabilidades tributárias.
Segundo Guilherme Lattanzi Mendes Oliveira, a definição do STF de que a tributação incidente sobre softwares deve ser o ISS — independentemente de serem produtos de prateleira ou sob encomenda — eliminou a controvérsia sobre a aplicabilidade do ICMS, que até então causava insegurança jurídica ao setor de tecnologia. Essa orientação também se estende ao modelo SaaS (Software as a Service), cuja tributação passa a ser exclusivamente municipal.
A Corte argumentou que o desenvolvimento e a disponibilização do software constituem obrigações de fazer e representam esforço intelectual, descaracterizando a natureza mercantil que justificaria a incidência do ICMS. O STF também modulou os efeitos da decisão, limitando a restituição de tributos apenas às empresas que já discutiam judicialmente a cobrança indevida antes de março de 2021.
Contudo, o fim da guerra fiscal entre estados e municípios deu lugar a uma nova zona de incerteza: a federal.
A Receita Federal tem reinterpretado a natureza jurídica das receitas oriundas de softwares, considerando-as prestação de serviços. A Solução de Consulta Cosit nº 36/2023 alterou os percentuais de presunção do lucro para empresas optantes pelo lucro presumido, elevando-os para 32% tanto para o IRPJ quanto para a CSLL. Adicionalmente, remessas ao exterior passaram a enfrentar divergência quanto à sua natureza jurídica — ora tratadas como royalties, ora como serviços — impactando a aplicação de tributos como IRRF, PIS/COFINS-Importação e Cide, criando um ambiente de instabilidade regulatória e possível litígio futuro.
Na análise de Paulo Cosmo Jr., a decisão do STF ao julgar as ADIs 5.659 e 5.958 consolidou o entendimento de que os serviços digitais — incluindo streaming e licenciamento de software — devem ser enquadrados como prestação de serviços, sujeitando-se ao ISS e afastando o ICMS. O autor destaca que a natureza híbrida dessas operações, que conjugam obrigações de dar e fazer, foi considerada pelo STF como elemento que reforça sua classificação como serviço. A inclusão da disponibilização de conteúdos digitais na lista da Lei Complementar nº 116/03, com a alteração promovida pela LC 157/16, reforça esse entendimento legislativo.
Porém, de acordo com Cosmo Jr., a decisão também expôs uma fragilidade do sistema tributário atual ao provocar concentração de arrecadação em poucos municípios, principalmente aqueles que sediam grandes empresas de tecnologia.
A regra que fixa o local do estabelecimento prestador como o sujeito ativo do ISS favorece grandes centros urbanos, acirrando as desigualdades regionais e estimulando um potencial guerra fiscal entre municípios.
A dificuldade de aplicar as normas de tributação à economia digital transfronteiriça, como nos casos em que os prestadores de serviço estão sediados no exterior também é um grande desafio. Nessas situações, a identificação do local do consumo e do fato gerador do tributo torna-se desafiadora, agravada pela ausência de mecanismos eficientes de fiscalização.
Portanto o tema sobre a tributação de softwares ainda ganha relevância após a decisão do STF ao pacificar a tributação de softwares pela ótica do ISS, que encerrava um prolongado conflito federativo. Ainda há desafios remanescentes, notadamente no campo da tributação federal e da tributação internacional dos serviços digitais.
A modernização do sistema tributário brasileiro, especialmente por meio de propostas como a criação do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), aparece como uma alternativa viável para superar as incertezas atuais, proporcionando maior segurança jurídica e equidade na arrecadação entre os entes federativos. No entanto ainda estamos a ver a sua implementação.