A reforma tributária aprovada pela Emenda Constitucional nº. 132/2023 e com a regulamentação pela Lei Complementar nº. 214/2025, trouxe mudanças significativas no sistema de arrecadação, com o propósito de simplificar tributos e tornar a tributação mais eficiente e justa, e entre as inovações propostas, uma das mais discutidas é a criação do Imposto Seletivo (IS) [1], um tributo que será aplicado sobre bens e serviços considerados prejudiciais à saúde e ao meio ambiente. Mais do que um mecanismo de arrecadação, esse imposto tem um caráter regulatório, buscando desestimular o consumo de produtos nocivos e incentivar hábitos mais sustentáveis e saudáveis na sociedade.
O Imposto Seletivo será de competência federal e incidirá sobre produtos específicos que geram impactos negativos à coletividade, diferentemente do IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados), que é amplamente aplicado à produção industrial, sendo mais restritivo, focado em itens que trazem prejuízos ambientais e sociais, como cigarros, bebidas alcoólicas e combustíveis fósseis, tendo por trás dessa tributação a correção de externalidades negativas, ou seja, desestimular o consumo de bens que causam danos à sociedade, seja por seus efeitos na saúde pública, seja pelos impactos ambientais que geram.
O modelo do Imposto Seletivo não é uma novidade no cenário internacional, pois em países da União Europeia, há um forte controle tributário sobre produtos como cigarros, bebidas alcoólicas e combustíveis fósseis, o que, além de contribuir para a arrecadação, também desestimula o consumo e financia políticas de saúde e sustentabilidade, no México, um imposto sobre bebidas açucaradas e alimentos ultraprocessados ajudou a reduzir o consumo desses produtos, sendo considerado um exemplo eficaz de política de saúde pública pela Organização Mundial da Saúde (OMS), e nos Estados Unidos, diversos estados adotaram impostos seletivos sobre refrigerantes açucarados, cigarros e derivados de petróleo, direcionando os recursos arrecadados para melhorias em infraestrutura e programas de saúde.
A introdução do Imposto Seletivo no Brasil pode trazer mudanças relevantes na economia e no comportamento da população, em vista disso, com o aumento do custo de produtos considerados prejudiciais tende a levar a uma redução no consumo, promovendo impactos positivos, como a queda no número de fumantes e a diminuição dos gastos do Sistema Único de Saúde (SUS) com o tratamento de doenças associadas ao tabagismo e ao consumo excessivo de álcool, e da mesma forma, uma tributação mais alta sobre combustíveis fósseis pode incentivar a transição para fontes de energia mais limpas, contribuindo para a preservação ambiental e para o cumprimento de metas de sustentabilidade.
No entanto, a implementação desse imposto também levanta desafios e preocupações, tendo a definição clara dos produtos que serão tributados um dos principais pontos de discussão, e se os critérios não forem bem estabelecidos, pode haver insegurança jurídica, levando a disputas entre setores produtivos e o governo, além do que, há o risco de o imposto ter um efeito regressivo, ou seja, afetar de maneira mais intensa a população de baixa renda, que gasta uma parcela maior do orçamento com bens de consumo.
Nos moldes do ensinamento de BARROS CARVALHO, “o critério material da hipótese de incidência da norma tributária é formado por um verbo transitivo e um complemento” [2], e assim deverá haver esclarecimentos de significados, como exposto FOLLONI, que será preciso compreender o que significa “’prejudicial à saúde’ e ‘prejudicial ao meio ambiente’, pois essas expressões formam, na Constituição, uma ulterior especificação no interior do complemento da materialidade desse imposto. Ela pode ser exemplificada da seguinte forma. O complemento não é apenas ‘bens’ ou ‘serviços’, porque os bens e serviços tributáveis são especificados: ‘prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente’. Trata-se de um complemento mais complexo”. [3]
Mais um ponto de atenção é o potencial aumento da carga tributária, logo o IS for utilizado apenas como um novo meio de arrecadação, sem uma compensação adequada, poderá sobrecarregar setores produtivos e consumidores, e para evitar distorções, seria necessário que o governo estabelecesse medidas compensatórias, como incentivos fiscais para indústrias que investem em inovação e sustentabilidade, além de políticas que minimizem os impactos sobre os consumidores de menor renda.
Neste mesmo patamar e de grande relevância, é a lição de FOLLONI, ao expor que “o Imposto Seletivo apenas pode incidir sobre a produção, a extração, a comercialização ou a importação de alguns poucos bens e serviços, especialmente selecionados em meio à gigantesca multiplicidade de bens e serviços que, em vários níveis, são ou podem ser prejudiciais à saúde e ao meio ambiente. A incidência generalizada, sobre muitos ou todos os bens e serviços prejudiciais, distorceria o caráter extrafiscal do Imposto Seletivo e atrairia incidência do princípio da igualdade e da capacidade contributiva. Nesse caso, porém, a incidência desses princípios implicaria inconstitucionalidade do tributo por violação a direitos individuais e, portanto, de cláusulas pétreas, já que a prejudicialidade não é indicativo de capacidade contributiva e não pode ser adotada como critérios de diferenciação entre contribuintes de impostos destinados a arcar com as despesas públicas em geral. Então, o imposto não pode senão ser seletivo, com incidência pontual e localizada.” [4]
Também, não menos importante, será a fiscalização ao combate à evasão fiscal, visto que produtos como cigarros e bebidas alcoólicas já apresentam altos índices de contrabando e sonegação fiscal, e ocorrendo a tributação sobre esses itens de forma elevada, haverá o risco de fortalecer o mercado ilegal, prejudicando tanto a arrecadação quanto a segurança do consumidor, que pode acabar adquirindo produtos sem controle sanitário adequado.
Outro aspecto que deve ser levado em conta é a destinação dos recursos arrecadados, do qual o Imposto Seletivo cumpra sua função social, é fundamental que sua arrecadação seja vinculada a políticas públicas específicas, como investimentos em saúde, combate à poluição, incentivo à pesquisa e desenvolvimento de energias limpas e programas de reeducação alimentar, consequentemente, o tributo deixaria de ser apenas uma ferramenta de arrecadação e passaria a ter um impacto real e positivo na sociedade. Nesta mesma visão, já externei em recente publicação, que “esse desequilíbrio afeta diretamente os direitos humanos, em que, tributar pesadamente bens e serviços essenciais restringe o poder de compra das famílias mais vulneráveis, dificultando o acesso a uma vida digna, além disso, a ausência de progressividade no sistema tributário compromete sua função redistributiva, impedindo que os recursos arrecadados sejam utilizados de forma eficiente para corrigir desigualdades e promover justiça social, e não cumprindo esse papel, serviços básicos como saúde pública e educação gratuita acabam sendo subfinanciados, privando a população de condições mínimas de cidadania”[5].
Ainda, ponto de extremo foco e preocupação, no Brasil a falta de produção não é o grande desafio da alimentação saudável, mas a dificuldade de acesso aos alimentos nutritivos, diferente dos produtos industrializados que estão disponíveis em qualquer prateleira, e como há pouca presença de alimentos naturais na dieta da população, tais fatos contribuem para um cenário preocupante de má nutrição e obesidade, e enfrentar esses problemas, se faz essencial que políticas públicas tornem os alimentos saudáveis mais acessíveis e desestimulem o consumo de produtos que comprometem a saúde da população.
Acerca dessa lógica, merece destaque o importante levantamento de SANTOS e TRENTINI, ao expor que “a segurança alimentar no Brasil é menos um problema de produção de alimentos, e mais de acesso a eles, em particular, aos alimentos saudáveis. No Brasil, a Pesquisa Vigitel 2023 (Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico), realizada pelo Ministério da Saúde, faz o levantamento de fatores de risco e proteção para doenças crônicas não transmissíveis em todas as capitais dos Estados brasileiros e no Distrito Federal. Entre as doenças monitoradas, incluem-se: diabetes, obesidade, hipertensão arterial, uso nocivo de bebidas alcoólicas e tabagismo. No conjunto da população adulta, 31,9% consome frutas e hortaliças em cinco ou mais dias da semana; 58,6% consome feijão com a mesma frequência; e 30,1% consumiu cinco ou mais grupos de alimentos não ou minimamente processados no dia anterior à entrevista. De outro modo, 14,9% da população adulta entrevistada consome refrigerantes em cinco ou mais dias da semana; e 17,7% consumiu cinco ou mais grupos de alimentos ultraprocessados no dia anterior à entrevista. Os dados revelam um quadro de má nutrição da população brasileira, que, ironicamente, consome muitos alimentos ultraprocessados, em uma dupla epidemia de má nutrição e obesidade. Como já apontado, o problema é multidimensional, e abrange questões socioeconômicas, ambientais e regulatórias, o que exige a formulação de políticas públicas multinível e em diversas frentes. Entre elas, é necessário tornar cada vez mais onerosa a produção e o consumo de alimentos não saudáveis, em particular, dos ultraprocessados, ao mesmo tempo em que os alimentos saudáveis são barateados.” [6]
Portanto, se bem praticado, o Imposto Seletivo tem potencial para ser uma ferramenta eficaz na promoção de um consumo mais consciente e sustentável, no entanto, sua aplicação precisa ser transparente e acompanhada de mecanismos que garantam que seu impacto não recaia desproporcionalmente sobre as camadas mais vulneráveis da população, logo, poderá não apenas desestimular produtos prejudiciais, mas também contribuir para a construção de um sistema tributário mais justo e alinhado aos desafios ambientais e sociais do século XXI.