O Projeto de Lei nº 252 e o financiamento de startups

Por Luís André Azevedo

Sem nenhuma surpresa, a livre iniciativa é um dos fundamentos da ordem econômica brasileira e direito fundamental consagrado nos artigos 1º, inciso IV, e 170 da Constituição Federal. No âmbito do empreendedorismo, ela se traduz tanto na liberdade de acesso das sociedades empresárias ao mercado quanto na liberdade de permanência nele. Isso, contudo, não corresponde à realidade de significativa parte das empresas brasileiras, sobretudo aquelas em estágio inicial de operação.

Alguns dos desafios ao empreendedorismo no contexto nacional são a alta carga tributária, a acirrada concorrência em determinados nichos de mercado e os elevados juros na tomada de créditos. O resultado, infelizmente, acaba por ser a insolvência de inúmeros negócios, que poderiam gerar mais empregos e renda. Dentre as sociedades empresárias atingidas por situações dessa natureza, é de se notar a figura das startups brasileiras, que costumeiramente operam com recursos limitados e necessitam de um ambiente regulatório que proporcione seu crescimento sustentável.

Diminuir a burocracia e adotar regras mais flexíveis para facilitar o acesso a tomada de capital e investimentos é um desafio urgente que precisa ser encarado pelo legislador e pelos juristas. Afinal, segundo dados de pesquisa realizada pelo Sebrae e a Associação Nacional de Estudos em Empreendedorismo e Gestão de Pequenas Empresas (Anegepe), calcula-se que o Brasil tem uma população de 42 milhões de potenciais investidores, atrás somente da Índia, com 106 milhões de aspirantes ao próprio negócio. E a boa nova é que 77% desse total afirma que quer abrir o próprio negócio para ter um diferencial. Em 2022, a principal motivação vinha da escassez de empregos.

Tendo em vista as dificuldades enfrentadas por essas sociedades iniciantes, em 2021 foi sancionada a Lei Complementar nº 182/2021, conhecida como Marco Legal das Startups e do Empreendedorismo Inovador no Brasil. Seu objetivo foi estruturar um ecossistema que contribuísse para a boa saúde desses negócios, especialmente por meio de medidas como (i) a simplificação da abertura, operação e fechamento dessas empresas; (ii) o impulsionamento do fluxo econômico e tecnológico no país; e (iii) a valorização da segurança jurídica e da liberdade contratual.

Ainda que o Marco Legal das Startups represente avanços importantes, outras dificuldades ainda persistem, dentre as quais o endividamento de empresas iniciantes com vistas ao levantamento de capital de giro ou à alavancagem.

O instrumento contratual mais utilizado pelas startups para obter investimentos é o mútuo conversível emparticipação societária. Nele, o investidor compromete-se a aportar determinado montante à empresa,tendo a faculdade de, ao vencimento do contrato, optar por receber de volta o valor investido ou convertê-lo em participação societária na investida.

Por conta de sua natureza creditória, o mútuo conversível levanta duas questões sensíveis para asstartups que dele se valem: (i) as ineficiências tributárias, que ocorrem independentemente da conversão ou não do investimento em participação societária, o que, por conseguinte, acarreta maiores custos de transação; e (ii) o risco de o Poder Judiciário interpretar que o investidor, na condição de mutuante, pode vir a cobrar a quantia que fora injetada como se fosse um empréstimo clássico, com a aplicação de juros e correção monetária, o que importa em total subversão do propósito inicial de toda a operação.

Justamente com o objetivo de fomentar o surgimento de nova modalidade contratual, mais adequada àsparticularidades dos investimentos em startups no Brasil, o plenário do Senado aprovou, em 10 de abril,o Projeto de Lei Complementar (PLP) nº 252/2023, que altera o Marco Legal das Startups e institui oContrato de Investimento Conversível em Capital Social (CICC). Trata-se o CICC de nova modalidade contratual por meio da qual o investidor pode transferir para uma startup recursos conversíveis emcapital social. Diferentemente do mútuo conversível, no entanto, esse contrato não enseja o surgimento de uma dívida conversível.

Assim, inspirado no Simple Agreement for Future Equity (SAFE) – instrumento contratual amplamente difundido na experiência norte-americana -, o CICC surge como uma alternativa aos contratos de mútuo conversível, e como um aprimoramento ao financiamento de startups, ao eliminar a natureza de dívida atribuída ao investimento, conferindo maior segurança jurídica à captação de recursos por tais empresas iniciantes. Até que a conversão em participação societária seja concretizada, a monta investida não integra o capital social da startup, ou seja, o investidor não se submete a riscos outrora comuns nas searas operacional, trabalhista ou fiscal.

Portanto, a incorporação do CICC ao nosso ordenamento jurídico por meio do PLP 252/2023 está profundamente alinhada à tutela do princípio da livre iniciativa, consagrado no caput do artigo 170 da Constituição Federal, contribuindo para o ingresso e manutenção de startups mais bem estruturadas em nosso mercado. Essa nova modalidade contratual não apenas endossa o compromisso constitucional com a livre iniciativa, mas também se apresenta como catalisadora da criação de um ecossistema empresarial mais robusto, capaz de gerar mais empregos e renda, tão necessários em nosso país.

Fonte: https://portal.fgv.br/artigos/projeto-lei-252-e-financiamento-startups