Embora o Superior Tribunal de Justiça tenha se debruçado sobre a matéria no âmbito do processo de execução cível, os Tribunais Estaduais já tiveram a oportunidade de se pronunciar sobre o assunto, conferindo o mesmo tratamento aos processos de execuções fiscais. [2]
Portanto, diante desse cenário de atribuição igualitária entre processos de matéria cível e fiscal, sobressai a seguinte indagação: o Tema 677 do STJ realmente deve ser aplicado aos processos de execuções fiscais? A resposta, no entanto, é negativa.
É certo que haverá aqueles que defenderão tal aplicação, considerando que, diante da reforma do processo de execução civil, estariam também as execuções fiscais vinculadas a esse procedimento, por atribuição expressa do artigo 1º da Lei nº. 6.830/80[3].
Ocorre que a exegese do referido artigo vem a constatar uma complementariedade entre ambas as leis, e não de especialidade excludente, uma vez que é autorizada a aplicação do Código Civil em caráter subsidiário, vale dizer, para aquilo em que não haja conflito com a Lei de Execuções Fiscais.
O conceito e a dinâmica do processo de execução fiscal são completamente diferentes daqueles aplicados ao processo de execução cível, ou seja, para os casos de execução fiscal o procedimento é regido por normas e regras específicas em legislação própria, como a Lei nº. 6.830/80, em regime autônomo, e o próprio Código Tributário Nacional.
O saudoso jurista BRITO MACHADO é cristalino ao dizer que “o objeto da execução fiscal, assim, não é a constituição nem a declaração do direito, mas a efetivação deste, que se presume, por força de lei, líquido e certo. Tal presunção é relativa, e pode, portanto, ser afastada por prova a cargo do executado”. [4]
Além disso, deve-se ponderar o caráter mais célere da Lei de Execução Fiscal, que deveria priorizar agilidade e eficácia ao ato de cobrança do crédito tributário, principalmente pelo interesse público na arrecadação dos tributos para manutenção da sociedade e a garantia legal ao contribuinte, inclusive, sendo este o ensinamento de MARINS, ao afirmar “(…) tem razão de ser o regime próprio na ideia de maior eficiência na cobrança do crédito tributário, consequentemente garantindo prestígio do interesse público a ele conexo, sendo opção do legislador dotar a Fazenda Pública de instrumentos mais eficientes e céleres para satisfação de seus créditos. Desta maneira, cria-se, com vistas a atender o interesse público, disciplina especial dotada de prerrogativas instrumentais postas à disposição da Fazenda Pública”. [5]
A Lei nº. 6.830/80, em seus artigos 9º, § 4º, e 11, § 2º, assim disciplina sobre o assunto:
Art. 9º – Em garantia da execução, pelo valor da dívida, juros e multa de mora e encargos indicados na Certidão de Dívida Ativa, o executado poderá:
(…)
§ 4º – Somente o depósito em dinheiro, na forma do artigo 32, faz cessar a responsabilidade pela atualização monetária e juros de mora.
(…)
Art. 11 – A penhora ou arresto de bens obedecerá à seguinte ordem:
(…)
§2º – A penhora efetuada em dinheiro será convertida no depósito de que trata o inciso I do artigo 9º.
Neste tocante, também é importante fazer destaque ao que disciplina o art. 151, II, do CTN, pois compartilha o mesmo conceito de natureza que está previsto no art. 9º, I, § 4º, da Lei nº. 6.830/80.
Neste mesmo horizonte, são as palavras de RIBEIRO DE MORAES ao dizer que “o depósito integral do valor do crédito tributário autoriza que o devedor goze da suspensão da exigibilidade do respectivo crédito por toda a duração de qualquer pendência.” [6]
Como se verifica, o montante integral, para suspender a exigibilidade do crédito tributário, deve ser efetuado em dinheiro [7], e exigido por meio de cobrança direta.
A legislação, ao permitir o depósito do montante integral do crédito tributário, reconheceu tratar-se de direito do contribuinte de se utilizar dessa medida de natureza cautelar e caucionatória para evitar que sofra atos executórios enquanto discute a regularidade dos valores cobrados, suspendendo a exigibilidade do crédito tributário e evitando a correção monetária da dívida e a cobrança de juros. [8]
Aqui, frisa-se que a expressão “montante integral do crédito tributário” está diretamente vinculada ao valor exigido pela Fazenda Pública, e não ao reconhecido pelo contribuinte, sendo definido pelos critérios da Fazenda Pública que, por força de lei, detém o privilégio de constituir unilateralmente o titulo executivo por meio da Execução Fiscal, a qual, por sua vez, é dotada de mecanismos privilegiados para assegurar o cumprimento dessa finalidade específica, conforme dispõe a Lei nº. 6.830/80.
Entretanto, ainda que se admita que a execução fiscal privilegia os interesses da Fazenda Pública, enquanto parte Exequente, devem ser observadas as garantias mínimas ao direito de defesa do contribuinte-executado. Esse entendimento, aliás, é reforçado por MARINS, ao deixar claro que “ao lado da necessidade de se buscar satisfazer o crédito fazendário, surge a necessidade de se buscar também o respeito incondicional ao sistema de garantias da relação jurídica tributária. Desse limite, por mais que se propugne pelo interesse público da satisfação do crédito fazendário, não se pode passar a execução fiscal”. [9]
Sendo assim, admitir a aplicação do Tema 677 do STJ nas execuções fiscais resultaria em insegurança jurídica, pois, além de contrariar as legislações tributárias, acarretaria prejuízo tanto ao contribuinte quanto à Fazenda Pública, uma vez que a quitação do crédito tributário por meio de depósito judicial oferece uma solução prática para garantir a liquidez e segurança da cobrança fiscal, diminuindo quaisquer incertezas da conversão em renda aos cofres do Erário.