A hipótese de uso de uma empresa para ocultar patrimônio dos sócios devedores é suficiente para autorizar a medida de desconsideração inversa da personalidade jurídica.
Com essa conclusão, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça deu provimento ao recurso especial de credores para permitir que a empresa constituída por eles responda por suas dívidas com uma cooperativa.
Os escritórios Rangel Advocacia e Ziliotto e Dominschek Sociedade de Advogados representaram a cooperativa recorrente.
Desconsideração da PJ
A desconsideração da personalidade jurídica é um procedimento que permite que a execução de uma dívida da empresa atinja o patrimônio dos sócios, quando houver indícios de que os bens da pessoa jurídica foram dilapidados e ocultados de propósito.
A desconsideração inversa, como o nome diz, faz o caminho contrário: ela se torna possível quando o sócio é quem está endividado e há indícios de que está usando a empresa para proteger o próprio patrimônio.
Transmissão do bem
O caso trata de devedores de uma cooperativa que venderam um imóvel avaliado em R$ 18 milhões a um terceiro. A transação foi feita por valor muito abaixo do mercado, de R$ 1,1 milhão.
Esse terceiro criou uma empresa com os filhos dos devedores e incluiu o imóvel como capital da pessoa jurídica. Um ano mais tarde, retirou-se da sociedade, transferindo suas cotas para os filhos dos devedores.
Assim, os filhos dos devedores ficaram como únicos sócios da proprietária de um imóvel cujo valor corresponde a 90% do capital da empresa. Segundo a cooperativa, a operação representou ocultação do bem para não ser atingido pela dívida.
A cooperativa então pediu a desconsideração inversa da personalidade jurídica, pedido negado pelo Tribunal de Justiça do Paraná. O caso então subiu ao STJ, que deu provimento ao recurso por 3 votos a 2.
Blindagem patrimonial
Relator, o ministro Humberto Martins apontou a existência dos requisitos do artigo 50 do Código Civil para a desconsideração da personalidade jurídica, diante do desvio da finalidade e do abuso da personalidade jurídica da sociedade formada para blindar o patrimônio perante credores.
Ressaltou que a discussão não se tratava de anulação de negócio jurídico que, a essa altura, não seria atingido pelo incidente de desconsideração da personalidade jurídica inverso, mas que a sociedade recorrida foi claramente utilizada para blindar o patrimônio dos devedores.
O Ministro Marco Aurélio Bellizze acompanhou o relator e afirmou ser evidente que é uma sociedade oculta em que houve desvio do patrimônio. “O caso aqui deixa a certeza de que esse bem foi subtraído para ser protegido em uma execução, foi colocado em um terceiro, que o trouxe para a sociedade dos filhos. Então, eu considero satisfeitos os requisitos para desconsideração”.
O Ministro Moura Ribeiro também acompanhou o relator e argumentou que haveria fortes indícios de simulação ou de fraude contra credores. Salientou não ser possível ao judiciário ignorar a situação delimitada no acórdão e aceitar “que isso está acontecendo às nossas vistas”.
Voto vencido
Vencida, a Ministra Nancy Andrighi divergiu proferindo voto-vista no sentido de não prover o recurso por entender pela impossibilidade de se reconhecer abuso da personalidade jurídica inversa quando os devedores não figuravam como sócios ostensivos da sociedade recorrida.
Assim, não reconheceu a desconsideração inversa e expansiva da personalidade jurídica, como requerido. Acompanhou o voto divergente o Ministro Villas Bôas Cueva.
REsp 2.095.942