Opinião: Possíveis impactos na arrecadação municipal na reforma tributária

Aprovar uma reforma tributária que viabilize investimentos estrangeiros, ganho de produtividade das empresas, simplificação do cumprimentos de obrigações legais, correção de distorções setoriais, fim da guerra fiscal e geração de empregos formais é o sonho de qualquer um que ocupe a cadeira de chefe do executivo federal. Há algumas décadas no Brasil os governos se sucedem uns aos outros com a promessa de levar a cabo a tão sonhada reforma tributária.

É inegável que houve um progresso nesse debate, porquanto tem avançado no parlamento as PECs 45/2019 e 110/2019, uma na Câmara dos Deputados e a outra no Senado. Ambas tratam de alterações estruturais do sistema tributário brasileiro, pretendendo atacar os maiores vilões da produtividade e da justiça fiscal, que são a complexidade e a regressividade do sistema, respectivamente.

Ninguém tem dúvidas quanto à necessidade de uma reforma do sistema tributário, todavia, dada a envergadura de um empreendimento desse porte — que terá de harmonizar interesses da União, estados, DF, municípios e contribuintes dos mais diversos setores econômicos, num país de dimensões continentais — é preciso olhar o debate sob vários aspectos, sob pena de se aprovar uma reforma qualquer, o governo sair com os louros e o crédito político do momento, quando, em verdade, estará deixando mais um problema para as próximas gerações.

Um dos pontos que mais tem sido objeto de debate é a possível perda de autonomia de estados e municípios. Neste artigo centraremos nossos esforços nos possíveis reflexos da reforma tributária nos municípios, tendo em vista que são os entes federativos a que os cidadãos têm mais próximos de si.

Fala-se em perda de autonomia porque é da essência de ambas as PECs a unificação de vários tributos incidentes sobre o consumo em um ou alguns. Tal unificação dá-se em razão da necessidade de simplificação do sistema, pois as empresas não precisariam passar milhares de horas prestando informações e preenchendo declarações, ora para União, ora para estados, ora para municípios, tendo, não raras vezes, que destacar setores inteiros da organização para o cumprimento das chamadas obrigações acessórias.

Nesse sentido, a PEC 45 pretende substituir os tributos federais IPI, PIS e Cofins, o estadual ICMS e o municipal ISS, pelo chamado IBS (Imposto sobre Bens e Serviços). Os valores arrecadados seriam geridos por meio de um comitê gestor, nos moldes do Simples Nacional, com representantes dos entes federativos. Além disso, pretende acabar com todos os benefícios e isenções fiscais, de modo a tornar a tributação mais isonômica e evitar que decisões de investimentos sejam tomadas unicamente em razão da maior ou menor tributação.

Pelo menos em tese, não haveria mais a discussão se determinado ativo é bem ou serviços, a sofrer a incidência de ICMS, pelos estados, ou de ISS pelos municípios. Tudo quanto esteja sob a atual incidência do ICMS ou ISS, passaria a sofrer a incidência do IBS, tanto bens tangíveis quanto intangíveis.

Já na PEC 110, haveria a substituição de 9 tributos: IPI, IOF, PIS, Cofins, Pasep, Cide-Combustíveis e Salário-Educação, de competência federal, ICMS e ISS, por dois IBSs (ou IVA Dual, como também é conhecido). Haveria um IVA (Imposto sobre Valor Adicionado) federal e um outro IVA de competência compartilhada entre Estados e Municípios.

Em ambas as propostas, os Municípios perdem a titularidade para a instituição e cobrança do ISS, que é o responsável pela maior parte da arrecadação municipal no Brasil, restando no lugar uma previsão de repartição do IBS ou IVA pela União e Estados.

Essa é uma previsão que precisa ser analisada com cautela. Há quem veja com bons olhos, pois os municípios não teriam o ônus de arrecadar o tributo, tendo somente que recebê-lo. Todavia, pode ser perigoso para os Municípios ficarem na dependência dos repasses dos outros entes, como que de pires na mão.

Há de se lembrar que a autonomia dos entes municipais é conquista recente, data de pouco mais de 30 anos, quando a Constituinte de 1988 definitivamente consagrou a autonomia política, administrativa e financeira dos municípios, elevando-os ao mesmo patamar dos estados-membros e da União.

Ora, como os municípios pretendem manter e exercer suas autonomias político-organizacionais e financeira, abrindo mão do principal instrumento de arrecadação de que dispõe? E como custearão a miríade de atribuições fixadas pela Constituição?

A bem da verdade, ter de arcar com tamanha gama de serviços públicos sem dispor da possibilidade de cobrar o ISS (Imposto Sobre Serviços) parece ser um ônus. Há aí uma latente possibilidade de perda dos municípios, que podem restar reduzidos à condição de meros órgãos ou centros administrativos.

Isso tudo para equacionar problemas fiscais que, em sua maioria, não são causados pelo ISS. A maior parte das celeumas entre fisco e contribuintes diz respeito ao PIS, Cofins, CSLL e ICMS, de competência federal e estadual.

Até o aspecto redistributivo das propostas, que prevê a cobrança do tributo no lugar de destino da mercadoria, e não mais na origem, como ocorre hoje e que beneficia os Estados e Municípios mais ricos, está atrelado a um regime de transição que vai complicar muito antes de simplificar. A previsão é de uma transição de cinco ou dez anos para a cobrança e até 50 anos para a partilha dos valores arrecadados. Isso reclamaria a contratação e parametrização de sistemas nos três níveis (federal, estadual e municipal) e que funcionasse juntamente com o atual e os contribuintes tendo que lidar com ambos.

Haveria muito o que escrever, mas para o que nos propusemos, as considerações acima bastam. As PECs apresentadas parecem ferir de morte a autonomia dos municípios, principalmente aqueles de recursos mais parcos — fragmentando o pacto federativo.

Os municípios têm se organizado a fim de garantir participação e representatividade no debate, buscando assegurar que não haverá perda de arrecadação, mas abrir mão competência para cobrança do ISS parece ir no sentido contrário e ainda fragiliza a própria autonomia.

O Brasil carece de uma reforma do sistema tributário, mas todos são conscientes de que é melhor não ter reforma nenhuma do que ter uma reforma que piore o sistema. Mas não se pode esperar esse exame de consciência de partidos e grupos políticos tentados pelo protagonismo da reforma, animados por interesses eleitoreiros de curto prazo, mais interessados no capital político do que em melhorar o ambiente de negócio e a geração de empregos e oportunidades.

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Por Arthur Alves Dias, advogado, especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (Ibet).

Revista Consultor Jurídico