A 3ª Turma Especializada do TRF da 2ª Região reformou sentença que havia concedido mandado de segurança em favor das herdeiras de Uta Esperança, afastando a incidência do Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF) sobre o ganho de capital decorrente da atualização do valor de bens recebidos por herança. As impetrantes alegavam a ocorrência de bitributação, uma vez que os bens já haviam sido tributados pelo ITCMD. Contudo, o colegiado acolheu a apelação da União e reconheceu a legalidade da incidência do IRPF sobre a diferença apurada entre o valor de mercado dos bens herdados e o valor constante da declaração do de cujus.
A controvérsia envolve a aplicação do IRPF sobre o ganho de capital obtido na transmissão causa mortis de bens imóveis ou direitos, nos casos em que o contribuinte opta por atualizar o valor de tais bens para o valor de mercado. Nos últimos anos, o tema tem sido objeto de debates sobre eventual sobreposição com o ITCMD, imposto estadual incidente sobre a transmissão de herança. A discussão gira em torno da possibilidade de haver bitributação e da constitucionalidade da exigência do IRPF neste contexto. Tanto o STF quanto o STJ já se pronunciaram reiteradamente em sentido favorável à incidência do imposto federal, desde que configurado acréscimo patrimonial efetivo, sobretudo nos casos em que o valor do bem é atualizado pelo herdeiro no momento da declaração.
As impetrantes sustentaram que a incidência do IRPF sobre os bens herdados configuraria bitributação, pois tais bens já foram onerados pelo ITCMD. Apontaram que a tributação do ganho de capital nesse contexto violaria o princípio da capacidade contributiva, uma vez que o acréscimo patrimonial decorreria de mera ficção jurídica, sem correspondência com efetivo aumento de riqueza. Além disso, defenderam que a Lei nº 9.532/97 não poderia criar hipótese de incidência sem respaldo constitucional e que, ao tributar o valor de mercado dos bens no momento da transmissão, o Fisco federal estaria apropriando-se de parte da herança já submetida à tributação estadual. Por fim, alegaram violação a direito líquido e certo, requerendo a concessão da segurança para afastar a incidência do IRPF sobre o ganho de capital apurado na sucessão.
O Desembargador Federal Paulo Leite afastou integralmente os argumentos das impetrantes e reformou a sentença de primeiro grau. Segundo o relator, “o fato gerador do ITCMD é a transmissão da propriedade causa mortis, enquanto o fato gerador do IRPF sobre o ganho de capital é a aquisição de disponibilidade econômica decorrente da valorização patrimonial dos bens herdados quando declarados a valor de mercado” (item 3 da decisão). Dessa forma, os tributos possuem naturezas jurídicas distintas e não se confundem quanto à base de cálculo e ao momento de incidência.
O magistrado também ressaltou que “a legislação vigente permite ao contribuinte optar pela avaliação dos bens herdados pelo valor de mercado ou pelo valor histórico declarado pelo de cujus” (item 6), sendo que a opção pela atualização de valor implica a realização de acréscimo patrimonial, sujeito à tributação pelo IRPF. Nesse sentido, citou o § 1º do art. 23 da Lei nº 9.532/97, segundo o qual: “Na transmissão causa mortis, os bens e direitos transmitidos serão avaliados pelo valor constante da última declaração do de cujus, salvo se o beneficiário optar pela avaliação a valor de mercado, hipótese em que haverá apuração de ganho de capital.”
Além disso, o voto fundamentou-se em precedentes vinculantes. O relator destacou que o STF, no RE 1.425.609, reconheceu que “a tributação do ganho de capital na sucessão causa mortis não configura bitributação, pois incide sobre fato gerador distinto e representa acréscimo patrimonial novo”. De modo semelhante, foi citado o RE 1.437.588 AgR, segundo o qual “a opção pelo valor de mercado caracteriza fato gerador autônomo para o IRPF”. Também foi mencionado o REsp 1.968.695/SP, julgado pelo STJ, que reafirmou essa interpretação.