Opinião: Tese do Tema 1.373 do STF – judicialização sem lide?

No dia 21/2/2025, o Supremo Tribunal Federal firmou a seguinte tese no Tema nº 1.373 (RE 1.525.407-CE): “o ajuizamento de ação para o reconhecimento de isenção de imposto de renda por doença grave e para a repetição do indébito tributário não exige prévio requerimento administrativ2. Para tanto, foram empregadas as seguintes razões de decidir:

“A instituição de condições para o regular exercício do direito de ação é compatível com o artigo 5º, XXXV, da Constituição, conforme afirmado no RE 631.240 (Tema 350/STF). A caracterização de interesse de agir, afinal, pressupõe a necessidade de ir a juízo. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, de todo modo, afirma a desnecessidade de prévio requerimento administrativo para o ajuizamento de ação de reconhecimento de isenção de imposto de renda por doença grave e para a repetição do indébito tributário.

A Lei nº 7.713/1986, no seu artigo 6º, inciso XIV, dispõe que ficam isentos do imposto de renda “os proventos de aposentadoria ou reforma motivada por acidente em serviço e os percebidos pelos portadores de moléstia profissional” e de várias doenças ali listadas (tuberculose ativa, esclerose múltipla, neoplasia maligna, cegueira, hanseníase, cardiopatia grave, doença de Parkinson, Aids, nefropatia grave etc.). O direito é assegurado “mesmo que a doença tenha sido contraída depois da aposentadoria ou reforma”. O inciso XXI do referido artigo prevê a mesma isenção aos pensionistas portadores de tais doenças.

Se, ao requerer a aposentadoria por incapacidade permanente, o segurado já padecia de uma dessas doenças, tendo comprovado isso por documentos, caberia ao INSS (em relação aos segurados do Regime Geral da Previdência Social — RGPS) ou ente público encarregado do pagamento do benefício previdenciário (relação aos segurados do Regime Próprio de Previdência Social — RPPS) já reconhecer o direito à aludida isenção fiscal e deixar de fazer a retenção do IR.

Então, nesses casos, se o benefício tributário não foi assegurado, é correto dispensar o prévio requerimento administrativo, pois há de se entender que o órgão previdenciário concluiu que o segurado a ele não faz jus. Também é aceitável essa solução para os casos em que o dependente, ao postular a pensão por morte, apresentou documentos médicos que provam padecer ele de alguma daquelas doenças.

Porém, é adequado dispensar o prévio requerimento administrativo nos casos em que o segurado ou pensionista, depois da concessão do benefício (aposentadoria ou pensão), vem a se tornar portador de uma daquelas doenças? Ora, nessa situação, o órgão previdenciário sequer sabe que ele veio a padecer de tal tipo de moléstia. Mas não é só. E naqueles casos em que a aposentadoria não ocorreu por incapacidade laboral, mas por tempo de contribuição ou por idade? Também nessas hipóteses faz sentido dispensar o prévio requerimento à autarquia previdenciária federal (INSS — RGPS) ou ao ente público encarregado do pagamento benefício (RPPS)?

Como se pode perceber, nessas situações, o segurado ou o pensionista do RGPS deve primeiro pleitear a isenção fiscal à agência da Previdência Social ou pela ferramenta Meu INSS (artigos 291 a 293 da Portaria Dirben/INSS nº 992/2022). No caso dos aposentados/reformados/pensionistas vinculados a algum RPPS, o benefício fiscal deve ser postulado ao ente encarregado do pagamento dos proventos e pensões. Muitos pedidos são analisados e deferidos na via administrativa à vista da documentação médica comprobatória do preenchimento dos requisitos previstos em lei.

Cabe ressaltar que o requerimento não deve ser dirigido à Receita Federal, mas à instituição responsável pelo pagamento dos proventos e pensões (artigo 35, § 4º, do Decreto nº 9.580/2018), que, comprovada a hipótese legal, deixará de realizar a retenção do IR na fonte. Essa delegação da análise do pedido à fonte pagadora teve o propósito de facilitar a formulação dos pedidos de isenção do imposto e agilizar sua apreciação.

Sobreutilização do Judiciário

É comum o ajuizamento de ações perante a Justiça Federal e a Justiça estadual em que o autor pleiteia a isenção fiscal antes mencionada sem antes ter dirigido seu pedido ao órgão responsável pelo pagamento de seus proventos ou pensões, tanto que o STF veio a aprovar a tese em comento. Mas cumpre indagar: tem sentido o Judiciário ser acionado sem que esse tipo de pleito tenha sido formulado — e muito menos negado — na via administrativa? Por que dispensar o prévio requerimento administrativo nos casos antes apontados, se muitos desses pedidos são deferidos pela autoridade administrativa? Essas situações não apresentam particularidades que recomendem excepcionar o prévio requerimento administrativo.

Não se está diante de casos em que o agente público privilegia um ato normativo em detrimento da lei ou da jurisprudência dos tribunais. Aqui não há uma resistência notória do poder público a legitimar a procura direta pelo Judiciário. Ainda, se houvesse significativa demora do órgão administrativo, também se poderia reputar logo presente o interesse de agir sem a negativa estatal. Porém, isso não se verifica. Não se vê motivos para, nas hipóteses acima comentadas, dispensar o prévio requerimento administrativo.

O Poder Judiciário só deve ser provocado se houver real necessidade, se houver resistência notória do poder público ou demora acentuada na apreciação do pedido, o que não se verifica nas situações em questão. Como dito, houve delegação da análise à fonte pagadora exatamente para favorecer a apresentação dos pedidos e acelerar a sua apreciação. Se a isenção fiscal em discussão (Lei nº 7.713/1988) não foi pleiteada e muito menos negada pela administração, por qual motivo se deve considerar presente o interesse processual? A tese acima nasceu falha. O STF precisa aperfeiçoar sua posição a respeito do assunto. Certamente fará isso ao notar os pontos aqui suscitados.

O interesse de agir pressupõe que a parte autora tente ver seu direito reconhecido na via administrativa, sobretudo porque não há aqui um quadro de resistência notória do poder público a recomendar o afastamento do prévio requerimento administrativo. É inaceitável a busca dispensável do Judiciário sem reconhecer que há muito ele está sobrecarregado de casos e que seu estoque é crescente, gigantesco. Seguir nesse rumo, como destaca Ivo Gico Jr., “é acelerar e incentivar a sobreutilização do Judiciário, o qual já não dá conta da demanda hoje”. Não cabe ao Judiciário, sob a alegação de violação ao princípio constitucional do amplo acesso à jurisdição (artigo 5º, XXXV, da CF/1988), antepor-se às instituições. Essa linha de pensar não é razoável, econômica e nem eficiente, já que resulta o aumento desnecessário da demanda judicial.

 

Fonte: https://tributario.com.br/a/opiniao-tese-do-tema-1-373-do-stf-judicializacao-sem-lide/