Nas economias capitalistas é fundamental a preservação da empresa, pois é por meio dela que se organizam os meios de produção. Por isso é adequado que órgãos do Poder Judiciário e as procuradorias tenham em mente o “princípio da preservação da empresa”, nas suas decisões, afinal ele visa a proteger a consecução da atividade econômica, direcionando a sociedade empresária na busca do lucro.
A partir do desenvolvimento da empresa é possível, em nosso ver, irradiar a função social da sociedade, com manutenção de empregos, recolhimento de impostos, criação de know how etc, e o fortalecimento do citado princípio é a tendência da doutrina e da jurisprudência na interpretação de normas com o objetivo de manter ou salvar a fonte produtora, a empresa.
A “transação” é um negócio jurídico através do qual se realiza acordo para extinguir obrigações, pode ser entendida como um meio autocompositivo de resolução de conflitos ou como uma modalidade de acordo e pode ocorrer também entre a Fazenda Pública Nacional e o contribuinte e contém sua gênese o “princípio da preservação da empresa”.
Apesar de a transação tributária estar presente no Código Tributário Nacional, nos artigos; 156, inciso III e 171, esta modalidade de resolução de conflitos só foi regulada após mais de cinco décadas através da Lei nº 13.988 de 2020, mérito a ser reconhecido ao legislador.
A Lei nº 13.988/20, autoriza a transação aos créditos tributários sob a administração da Receita Federal do Brasil, à dívida ativa e aos tributos da União (em que a inscrição, cobrança e representação incumbam à PGFN, conforme o artigo 12 da Lei Complementar nº 73, de 10 de fevereiro de 1993) e, no que couber, à dívida ativa das autarquias e das fundações públicas federais, cujas inscrição, cobrança e representação incumbam à Procuradoria-Geral Federal (PGF), e aos créditos cuja cobrança seja competência da Procuradoria-Geral da União (PGU) (conforme ato do Advogado-Geral da União e sem prejuízo do disposto na Lei nº 9.469, de 10 de julho de 1997).
Respeitando os termos do CTN, a Lei 13.988 definiu os requisitos e as condições para que a União, suas autarquias e fundações, e os contribuintes realizassem transação resolutiva de litígio relativo à cobrança de créditos da Fazenda.
Em complementação à Lei 13.988, sobreveio a Lei nº 14.375/2022, que definiu uma série de assuntos que não estavam regulados.
Há a modalidade de “transação por acordo individual”, em que a Lei nº 13.988/2020 afirma que é na cobrança de créditos inscritos na dívida ativa da União, de suas autarquias e fundações públicas, na cobrança de créditos que seja da competência da Procuradoria-Geral da União; a Lei nº 14.375/2022 incluiu o “contencioso administrativo fiscal”, ou seja, permite a negociação de débitos ainda não inscritos na dívida ativa e pode ser feita diretamente à RFB.
A modalidade da “transação por adesão” é possível quando: “II – por adesão, nos demais casos de contencioso judicial ou administrativo tributário; e”; “III – por adesão, no contencioso tributário de pequeno valor.”. Há também a possibilidade da transação por adesão “… na cobrança de créditos inscritos na dívida ativa da União, de suas autarquias e fundações públicas, na cobrança de créditos que seja da competência da Procuradoria-Geral da União ou em contencioso administrativo fiscal”.
Mas, diferente da transação por acordo individual, a transação por adesão implica na aceitação pelo devedor de todas as condições fixadas no edital que a propõe.
A nova lei: aumenta o prazo para quitação da dívida tributária, ao aumentar o limite de 86 meses para até 120 meses; aumenta o desconto máximo sobre os débitos, que são objeto de transação, e com isso, o desconto mudou de até 50% para até 65%; possibilita a utilização de créditos de prejuízo fiscal do IRPJ e de base negativa da CSLL para pagamento de até 70% do saldo remanescente após a aplicação dos descontos; possibilita a utilização de precatórios ou de crédito reconhecido em sentença transitada em julgado para amortização do valor principal, multa e juros; previsão de que os benefícios concedidos pela transação tributária não serão computados na base de cálculo do CSLL, IRPJ, do PIS e da Confins; previsão de manutenção dos benefícios concedidos em programa de parcelamento anteriores; e; a possibilidade de inclusão de créditos inscritos em dívida ativa do FGTS na transação por adesão no contencioso de pequeno valor, desde que autorizada pelo seu conselho curador, sendo proibida a redução de valores devidos aos trabalhadores.
Os benefícios concedidos em programas de parcelamento anteriores ainda em vigor serão mantidos, considerados e consolidados para efeitos da transação, que será limitada ao montante referente ao saldo remanescente do respectivo parcelamento, considerando-se quitadas as parcelas vencidas e liquidadas, na respectiva proporção do montante devido, desde que o contribuinte se encontre em situação regular no programa e, quando for o caso, esteja submetido a contencioso administrativo ou judicial, vedada a acumulação de reduções entre a transação e os respectivos programas de parcelamento.
Com a vigência da Lei nº 14.375/2022, estima-se que há a possibilidade de negociação de cerca de R$ 1,4 trilhão em tributos, contudo, o contribuinte precisa contar com o entendimento da Procuradoria de que leis como as citadas neste artigo dizem respeito ao “princípio da preservação da empresa”, buscam proteger o núcleo da atividade econômica e, portanto, a fonte produtora do trabalho, do emprego, da renda, refletindo diretamente em seu objeto social e direcionando-a, sempre, na busca do lucro e consequentemente na arrecadação, necessária ao cumprimento das atividades do Estado.
Essas são as reflexões.
***
Por Vinicius Pivatto Serra, advogado e associado da Maciel Neto Advocacia & Consultoria.
Revista Consultor Jurídico