Os impactos tributários das aplicações em fundos

Por Caio Malpighi

Apesar de avanço na simplificação e modernização da tributação dos fundos, persistem incertezas, especialmente sobre os impactos fiscais na apuração do IRPJ e CSLL de quem investe nesses fundos

A Lei nº 14.754/23 trouxe mudanças significativas nas regras tributárias para aplicações em fundos de investimento no Brasil e consolidou o regime jurídico-tributário dos rendimentos desses veículos, com exceção de alguns tipos específicos de fundos estruturados que permanecem sob legislação própria. Apesar desse avanço na simplificação e modernização da tributação dos fundos, persistem incertezas, especialmente sobre os impactos fiscais na apuração do Imposto de Renda Pessoa Jurídica (IRPJ) e da Contribuição Social sobre o Lucro (CSL) de empresas que investem nesses fundos.

Nos termos do artigo 32, inciso II, da Lei nº 14.754/23, o Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF) aplicado sobre os rendimentos de fundos de investimento deve ser tratado como uma antecipação do IRPJ devido no encerramento do período de apuração. Essa regra se aplica a cotistas pessoas jurídicas tributadas com base no lucro real, presumido ou arbitrado.

Em casos de incidência do IRRF, é importante destacar que o regime de come-cotas – em que o IRRF incide periodicamente – constitui a regra geral aplicável à maioria dos fundos de investimento. No entanto, a legislação também prevê um regime excepcional de tributação, aplicável apenas no momento da realização do investimento (distribuição, resgate ou amortização de cotas).

Esse regime é restrito a fundos que atendam a requisitos específicos estabelecidos pela Lei nº 14.754/23, incluindo uma determinada composição de ativos em sua carteira alinhada aos limites legais e um modelo de gestão discricionária, que caracterize o fundo como uma entidade para investimento (e não um veículo patrimonial). Assim, busca-se compatibilizar a tributação com as características de liquidez e finalidades dos fundos.

Contudo, para cotistas pessoas jurídicas sujeitas à apuração do IRPJ/CSL com base no lucro real e no resultado ajustado, respectivamente, surge uma questão relevante: a variação no valor do investimento, registrada na contabilidade da investidora como receita ou despesa, pode impactar o resultado tributável pelo IRPJ e pela CSL, antes mesmo da incidência antecipada do IRRF (por exemplo, em fundos sujeitos à tributação apenas no momento da realização). Esse descasamento entre o contábil e o tributário suscita dúvidas se tal valorização deve integrar a apuração do IRPJ/ CSL conforme apropriação contábil, ou se esses valores devem ser tributados apenas após a ocorrência de eventos que ensejem a incidência do IRRF como antecipação, nos termos da Lei nº 14.754/23.

A questão já foi debatida no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), com acórdãos proferidos em contexto anterior à Lei 14.754/23, em que o come-cotas incidia apenas sobre rendimentos de aplicações em fundos de investimentos constituídos sob a forma de condomínio aberto. De um lado, existe o entendimento do acórdão nº 1302-002.298, de 22/06/2017, que autorizou a incidência do IRPJ/CSL sobre a valorização de investimento em Fundos de Investimento em Direitos Creditórios (FIDCs), abertos e fechados. Em sentido oposto, há o acórdão nº 1201-005.362, julgado em 22/10/2022, que determinou que os rendimentos e as perdas decorrentes de Fundos de Investimento em Ações (FIAs) somente poderiam ser objeto de tributação ou de dedução na realização.

Veja-se que a questão está longe de ser pacífica no âmbito da jurisprudência, não havendo também regulamentação por parte da administração tributária para o assunto até o presente momento.

A situação se torna ainda mais complexa no caso específicos das instituições financeiras, que, segundo o artigo 33 da Lei nº 14.754/23, estão dispensadas da retenção do IRRF sobre esses rendimentos. Sem um IRRF antecipado que marque o momento do fato gerador, surge a dúvida: a variação das aplicações no fundo deve ser tributada com base na apropriação contábil? Entendemos que não, sobretudo em fundos fechados ou sem liquidez, pois, segundo o artigo 43 do Código Tributário Nacional (CTN), a disponibilidade é requisito essencial para a incidência do imposto de renda.

De modo geral, o método de mensuração contábil é também mais um desafio a ser enfrentado por pessoas jurídicas em investem em fundos, principalmente em casos de fundos controlados. Embora o artigo 248 da Lei nº 6.404/76 preveja a aplicação genérica do método de equivalência patrimonial (MEP) para investimentos em coligadas e controladas, o Carf entende que ele não se aplica para fundos de investimentos (acórdãos nº 1302-003.909 e nº 1402-006.730). Ainda, o artigo 23 do Decreto-Lei nº 1.598/77 que exclui as variações de MEP da incidência IRPJ/CSL aplica-se apenas a investimento em sociedades, não em fundos, que, conforme o artigo 1.368-C do Código Civil, configuram uma comunhão de recursos sob a forma de condomínio de natureza especial.

Por outro lado, se o impacto no resultado contábil decorrer de uma contrapartida de mensuração por ajuste a valor justo (AVJ) das cotas do fundo, o artigo 13 da Lei nº 12.973/2014 determina que a tributação pelo IRPJ/CSL ocorrerá apenas no momento da realização desses ativos.

Colocadas as dúvidas sobre os impactos tributários das aplicações em fundos na apuração de tributos das empresas investidoras, fica clara a necessidade de um endereçamento pelo legislador, que se adeque à sistemática de antecipação e compensação do IRRF, bem como ao princípio da realização da renda.

 

Fonte: https://valor.globo.com/legislacao/coluna/os-impactos-tributarios-das-aplicacoes-em-fundos.ghtml