Responsabilidade penal de gestores e dirigentes de empresas

Por Juarez Arnaldo Fernandes

A responsabilidade penal de diretores de empresas é um tema de crescente relevância no cenário empresarial atual. Com as corporações desempenhando papéis centrais na economia global, torna-se essencial responsabilizar os líderes empresariais por condutas ilícitas, visando preservar a integridade dos mercados e proteger os interesses públicos.

A responsabilidade penal no contexto empresarial refere-se à imputação de crimes a indivíduos que ocupam cargos de direção ou administração em uma empresa. Segundo CAPEZ [1], “a responsabilidade penal visa punir aqueles que cometem atos ilícitos no exercício de suas funções, enquanto a responsabilidade civil busca reparar danos causados”.

No Brasil, a responsabilidade penal dos diretores de empresas é regulada por diversas legislações, incluindo o Código Penal, a Lei de Crimes contra a Ordem Econômica e a Lei de Lavagem de Dinheiro. A Lei nº. 12.846/2013 – Anticorrupção, também reforça a responsabilização de pessoas jurídicas e seus administradores por atos corruptos, inclusive nas palavras de GRECO [2], afirma-se que a legislação brasileira prevê claramente a possibilidade de responsabilização penal daqueles que, em posição de gestão, permitem ou praticam atos ilícitos.

O  SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, ao debruçar sobre o tema, durante o julgamento do RHC nº. 148.463/RJ [3], trouxe o entendimento de que não deve haver responsabilização penal de quem não participar efetivamente da prática criminosa. Ainda, o Ministro João Otávio de Noronha, em seu voto, ponderou que “as circunstâncias objetivas de alguém ser sócio e exercer direção ou administração de empresa (envolvida em atividade criminosa) não é suficiente para autorizar qualquer presunção de culpa”.

Em outra sentada, no julgamento do RHC nº. 72.074/MG [4], frisou-se que cabe à acusação “correlacionar com o mínimo de concretude os fatos delituosos com a atividade do acusado, não sendo suficiente a condição de sócio da sociedade, sob pena de responsabilidade objetiva”. Portanto, não cabe ao Ministério Público simplesmente apresentar denúncia contra gestores ou dirigentes de empresas com responsabilidade penal, trazendo-o a todos ou um deles mediante presunção, por constarem no estatuto social da empresa.

Nesse contexto, os crimes frequentemente associados à responsabilidade penal de diretores incluem:

– Fraude: Manipulação de informações financeiras para obter vantagens. Exemplifica NUNCI [5] que a fraude pode ocorrer de diversas formas, incluindo a adulteração de balanços e demonstrações financeiras.

– Corrupção: Pagamento ou recebimento de subornos para obter benefícios indevidos. Destaca BOTTINI [6], que a corrupção no âmbito empresarial é uma das práticas mais danosas, pois subverte a concorrência leal e prejudica o desenvolvimento econômico.

– Lavagem de Dinheiro: Disfarce de recursos obtidos de atividades ilegais. Salienta GOMES [7], a importância de mecanismos eficazes de controle e prevenção para combater a lavagem de dinheiro dentro das corporações.

Casos notórios, como o escândalo da Petrobras e a Operação Lava Jato, ilustram a complexidade e o impacto dessas infrações no cenário empresarial brasileiro. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal,  no caso da Ação Penal 470 (Mensalão), é um exemplo marcante de responsabilização de altos executivos e diretores por atos de corrupção.

Já a imputação penal de diretores enfrenta vários desafios, incluindo:

– Dificuldade na Coleta de Provas: A complexidade das operações empresariais e a existência de estruturas corporativas opacas dificultam a coleta de provas. Aponta MIRABETE [8] que a coleta de provas em crimes empresariais exige técnicas investigativas específicas e detalhadas.

– Necessidade de Comprovação de Dolo ou Culpa: Determinar a intenção ou a negligência do diretor pode ser difícil. Enfatiza CAPEZ [9], que a comprovação do dolo é essencial para a caracterização da responsabilidade penal, exigindo provas contundentes. Certo se tem, que o primeiro critério para fixar a pena é o da culpabilidade. Assim, para que o agente responda penalmente, é necessário que haja culpabilidade. Nos ensinamentos de MUNOZ CONDE [10], a culpabilidade tem como a motivação, a capacidade para reagir ante as exigências normativas, a inteligência, afetividade, etc.; é a faculdade humana fundamental que permite a atribuição de uma ação a um sujeito e, consequência, a exigência de responsabilidade pela ação por ele praticada”.

– Causalidade: Estabelecer a ligação direta entre a conduta do diretor e o resultado prejudicial é um desafio. Observa GRECO [11] que a análise da “causalidade é fundamental para a imputação penal justa e adequada”, sendo de extrema importância estabelecer o nexo causal. O Ministro Cezar Peluso, relator designado no HC nº. 83301 [12], assim destacou em seu voto: ““Como é vistoso, não se atribui aí, a esse nem àquele, nenhum comportamento criminal. O que esse fecho da inicial imputa aos denunciados é só a responsabilidade pela administração da empresa, não a prática, sequer no exercício da mesma administração, de algum particular comportamento típico. Ser administrador de empresa não é por si só, escusaria dizê-lo, coisa criminosa, de modo que, porque o fossem em certas circunstâncias, deveriam ter sido descritas na denúncia, de forma minudente, ações e/ou omissões mediante as quais cada administrador teria, nessa condição, infringido ambas aquelas normas. A denúncia diz apenas: “Assim agindo…” Assim como? (…) Cumpria, pois, estivessem descritas, com todas as suas circunstâncias, as eventuais ações ou omissões que, praticadas, pessoal, consciente e finalisticamente, pelo primeiro réu, na específica qualidade de administrador das empresas, se amoldariam aos tipos penais. Ou, de forma mais descongestionada, cumpria à denúncia responder à seguinte questão: “o que fez ou deixou de fazer … “?? (…) A responsabilidade pessoal postulada por nosso sistema jurídico-penal significa que só se caracteriza essa forma agravada de responsabilidade diante da existência de determinado fato imputável a uma pessoa física, a título de dolo ou culpa. Ou seja, tal responsabilidade pressupõe nexo psíquico que ligue o fato ao seu autor: (…) Ao desatender ao ônus de atribuir ao ora paciente ato ou atos concretos que teriam de algum modo concorrido para a realização dos fatos criminosos, era inevitável fosse o órgão acusador obrigado a atribuir os mesmos fatos ao ora paciente a título de responsabilidade objetiva. (…) Deveras, à medida que a denúncia não atribui ao ora paciente contribuição pessoal para a prática dos fatos supostamente criminosos ali narrados, só se pode concluir que a atribuição, ou seja, o enlace entre o fato e o agente, é de natureza objetiva e, como tal, frontalmente contrário ao nosso sistema jurídico-penal positivo, formado, neste ponto, pelas normas insertas no art. 5º, incs. XLV e XLVI, da CF, nos arts. 13, 18, 20 e 26 do CP e, quanto aos crimes contra o sistema financeiro nacional, no art. 25 da lei 7.492/86. (…) O caso põe em expressiva evidência a instrumentalidade do processo penal relativamente ao direito penal material: a responsabilidade pessoal e subjetiva postula denúncia que atribua a autor determinado a prática de atos concretos como obras suas, por aderência psicológica (dolosa ou culposa). (…)”.

Para mitigar riscos e prevenir a ocorrência de crimes empresariais, as empresas já procuram adotar várias medidas, como:

– Programas de Compliance: Implementação de políticas internas e treinamentos para assegurar a conformidade com as leis. Enfatiza BOTTINI [13] a importância dos programas de compliance na prevenção de ilícitos e na promoção de uma cultura ética nas organizações.

– Governança Corporativa: Estruturação de conselhos de administração e comitês de auditoria para monitorar as atividades empresariais. Argumenta GOMES [14] que a boa governança corporativa é essencial para garantir a transparência e a responsabilidade nas empresas.

– Códigos de Conduta: Definição de padrões éticos e comportamentais para todos os membros da organização. Importante  NUCCI [15] ao destacar que os códigos de conduta são instrumentos importantes para orientar o comportamento dos colaboradores e prevenir práticas ilícitas.

De outra parte, a responsabilização penal dos diretores de empresas pode ter diversos efeitos, incluindo:

– Reputação: Danos à imagem da empresa, afetando sua posição no mercado. Ressalta CAPEZ [16] que a perda de reputação pode ser um dos impactos mais duradouros e prejudiciais para uma empresa envolvida em escândalos criminais.

– Financeiros: Multas e indenizações que podem comprometer a saúde financeira da empresa. Neste sentido, GRECO [17] observa que as sanções financeiras podem ser severas, afetando diretamente a viabilidade econômica da organização.

– Operacionais: Mudanças na gestão e na cultura corporativa para prevenir novos delitos. MIRABETE [18], destaca que a implementação de medidas preventivas e corretivas é crucial para a recuperação da confiança e da estabilidade empresarial.

A responsabilidade penal de diretores de empresas é, portanto, um tema complexo, mas crucial para a manutenção da ordem e da ética no ambiente corporativo. Por meio de uma legislação robusta e da implementação de mecanismos eficazes de controle, é possível reduzir a ocorrência de crimes empresariais e garantir um ambiente de negócios mais justo e transparente.

 

Fonte: https://tributario.com.br/juarezfernandes/responsabilidade-penal-de-gestores-e-dirigentes-de-empresas/