Por Beatriz Olivon
O caso foi novamente adiado, no Plenário Virtual, por um pedido de vista, desta vez do ministro Luiz Fux
Minutos depois de o Supremo Tribunal Federal (STF) retomar o julgamento em que vai definir se tratados internacionais impedem a tributação de controladas e coligadas no exterior, o caso foi novamente suspenso, no Plenário Virtual, por um pedido de vista do ministro Luiz Fux. A discussão envolve a Vale. O impacto para a União, em caso de derrota, é estimado em R$ 22 bilhões, segundo anexo de riscos fiscais da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) para o ano de 2026.
O julgamento começou em maio de 2023, mas foi suspenso por pedidos de vista – o último havia sido do ministro Nunes Marques, que votou hoje. Por enquanto, quatro ministros se manifestaram e o placar está em três votos a um para a Fazenda Nacional.
Os ministros Gilmar Mendes e Alexandre de Moraes votaram pela tributação, enquanto o relator, ministro André Mendonça, contra. Hoje o ministro Nunes Marques seguiu a divergência. Os ministros podem alterar os votos.
O caso não tem repercussão geral mas essa é a primeira vez que o STF julga o tema, muito importante para as multinacionais e discutido na esfera administrativa e judicial. No Superior Tribunal de Justiça (STJ) foi reconhecida a prevalência dos tratados internacionais contra a bitributação.
Os ministros julgam a validade da incidência do Imposto de Renda (IRPJ) e da CSLL sobre empresas nacionais a partir dos lucros de coligadas no exterior em países que têm tratados com o Brasil para evitar a dupla tributação.
Para o Fisco, não é tributado o lucro das controladas no exterior, mas sim o da controladora no Brasil, que reflete o resultado contábil das empresas estrangeiras através do Método de Equivalência Patrimonial (MEP). O método, previsto na Medida Provisória (MP) nº 2158/2011, visa aferir o valor do investimento de uma empresa quando possui participação societária em outra.
A Vale, por sua vez, questiona a “tributação automática” do IRPJ e CSLL sobre lucros auferidos por controladas na Bélgica, na Dinamarca, em Luxemburgo e nas Bermudas. As decisões de primeiro e segundo graus foram favoráveis à União, mas o STJ reverteu o entendimento em parte – manteve a cobrança só nas Bermudas, pois não há acordo bilateral com o Brasil e é um paraíso fiscal.
Em voto depositado hoje, o ministro Nunes Marques explica que a legislação estabeleceu a tributação em bases universais como o modelo a ser observado em relação às pessoas jurídicas sediadas no Brasil, portanto, a renda global da empresa residente será tributada integralmente, independentemente da sua fonte (interna ou externa).
Assim, segundo o ministro, prevalece a vinculação da residência fiscal da pessoa jurídica e a sua sujeição à tributação dos rendimentos oriundos tanto em âmbito doméstico quanto estrangeiro, mas os efeitos da regra poderão ser mitigados quando confrontados com as disposições constantes dos acordos internacionais.
Para Nunes Marques, é necessário cuidado na invocação das normas dos tratados, evitando “seu uso indevido”. Nesse sentido, concorda com o voto do ministro Gilmar Mendes quanto à inaplicabilidade do acordo contra bitributação ao caso concreto. “A demanda ora apresentada não se mostra abrangida no bojo de incidência dos tratados”, afirma. O ministro diferenciou a dupla tributação econômica da jurídica que exige mais elementos para ser caracterizada e é a que os tratados buscam evitar.
Para haver dupla tributação jurídica é preciso ter os seguintes elementos essenciais, segundo o voto: pluralidade de jurisdições, identidade do sujeito passivo, identidade do elemento material do fato gerador, identidade do imposto e identidade do período. São situações em que uma mesma pessoa jurídica é tributada por dois Estados contratantes em relação a determinada renda ou patrimônio num determinado período.
Já a dupla tributação econômica, segundo o ministro, dispensa a identidade de todos os elementos, recaindo, em regra, sob pessoas jurídicas diversas. É o caso em que duas pessoas diferentes são tributadas em relação à mesma renda ou patrimônio.
Em 2023, a Receita Federal chegou a fazer uma estimativa de impacto maior da tese: rombo de R$ 142,5 bilhões para a União, conforme a Nota Cetad/Coest nº 14, de 2023. O valor se refere à devolução ou perda de arrecadação de Imposto de Renda (IRPJ) e CSLL entre 2017 e 2021. Também poderia reduzir o caixa da Fazenda Nacional em R$ 28,5 bilhões anualmente, como mostrou o Valor (RE 870214).