Por Luciana Ricci
Como um grande novo mercado, permeado por alguns conceitos ainda incertos e uma legislação incipiente, a corrida por sustentabilidade deu margem à disseminação de dados socioambientais falsos, um procedimento denominado greenwashing (em uma tradução literal para o português: “lavagem verde”), extremamente nocivo às práticas ESG.
Para situar o tema, é possível imaginar uma marca global de fast fashion que lança uma coleção intitulada “Eco-Friendly Collection” cujas peças vêm embaladas em papel reciclado, com o logotipo da empresa cercado por uma fauna exuberante e etiquetas contendo folhas verdes, sugerindo que a coleção é sustentável e ecologicamente correta.
Em contrapartida, ao investigar mais a fundo, descobre-se que (i) as roupas são feitas predominantemente de poliéster — um material sintético derivado do petróleo, que tem um grande impacto ambiental e não é biodegradável, (ii) a empresa não adotou práticas sustentáveis em sua cadeia de produção, como o uso de energias renováveis ou a redução do consumo de água, (iii) não há transparência sobre as condições de trabalho nas fábricas, que podem não seguir padrões éticos ou ambientais, ou (iv) a coleção não possui certificações ecológicas reconhecidas, que poderiam comprovar as alegações ambientais.
Em termos gerais, greenwashing é a prática de divulgar informações enganosas ou exageradas sobre produtos, práticas ou políticas ambientais para parecerem sustentáveis ou mais ambientalmente responsáveis do que realmente são, enganando os consumidores que buscam opções verdadeiramente sustentáveis.
Isso pode aparecer nas comunicações corporativas de várias maneiras:
- Reivindicações genéricas, vagas e/ou ambíguas: usar termos genéricos como “ecologicamente correto”, “sustentável” ou “verde” sem fornecer informações específicas ou verificáveis. Esse exemplo pode ser verificado em produtos de limpeza anunciados como biodegradáveis que não seguem as diretrizes impostas pela RDC nº 694 de 13 de maio de 2022, emitida pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) do Brasil, que estabelece regulamentos sobre a biodegradabilidade de agentes tensoativos aniônicos em produtos saneantes, que são àqueles destinados à higienização, desinfecção ou desinsetização em ambientes domésticos e públicos.
- Destacando características ambientais que todos os produtos da categoria já possuem, como, por exemplo, alegar que um produto é “livre de CFCs” quando os gases CFCs (clorofluorocarbonetos) já são proibidos por lei; nesse sentido, vide-se o Protocolo de Montreal (1987) – internalizado na legislação brasileira por meio do Decreto n. 99.280/1990, e a Resolução Conama nº 13/1995.
- Omitindo informações e aspectos negativos, o chamado “greenhushing“: focar apenas nos aspectos positivos ambientais de um produto ou serviço, enquanto omite os impactos negativos. Por exemplo, uma empresa pode destacar o uso de materiais reciclados sem mencionar o uso intensivo de energia ou a emissão de poluentes durante o processo de fabricação, ou anunciar como “ecologicamente corretos” produtos que não contemplam a sustentabilidade em todos os pontos: matéria-prima, fabricação, embalagem e transporte.
- Utilizando certificações falsas ou enganosas: usar selos ou certificações ambientais que não são reconhecidas, são autoconcedidos ou têm critérios pouco rigorosos, de forma a levar os consumidores a acreditar que o produto foi validado por uma entidade independente — ato expressamente vedado pela nova Diretiva sobre Capacitação dos Consumidores para a Transição Verde (ECGT) da União Europeia.
- Valendo-se de imagens e símbolos verdes: usar imagens de natureza, folhas verdes, animais e outros símbolos ecológicos em materiais de marketing para criar uma impressão de sustentabilidade, mesmo que o produto ou a empresa não sejam ambientalmente responsáveis, como no exemplo hipotético da “Eco-Friendly Collection” citado anteriormente.
- Inconsistências e Contradições: Fazer afirmações ambientais que são notoriamente falsas ou contraditas por outras práticas da empresa. Aqui cabe o exemplo da “mineração sustentável”. Embora a mineração possa (e deva) ser realizada de forma a minorar os impactos socioambientais, inclusive promovendo um uso mais responsável dos recursos naturais, os recursos minerais são finitos. Quando extraídos da natureza, são permanentemente removidos do depósito geológico e não se refazem, nem podem ser repostos dentro da mesma geração humana. Logo, o conceito “mineração sustentável” é uma contradição em termos.
Ética questionada por greenwashing
Na Europa e nos Estados Unidos, quando uma empresa é publicamente acusada de greenwashing, o estrago reputacional é de tamanha dimensão, que o esforço para conter seus danos é maior do que o empreendido para construir a imagem de negócio sustentável que a empresa detinha até então, e muitas vezes é em vão, como no caso da pioneira britânica “The Body Shop“.
Fundada em 1976, a The Body Shop foi uma marca precursora no debate e banimento de crueldade animal de sua cadeia produtiva e de fornecedores, tanto proibindo testes em animais, quanto educando seus consumidores. Em 2017, a brasileira Natura & Co comprou a “The Body Shop” da L’Oreal por US$ 1,04 bilhão e permaneceu proprietária da marca por seis anos, até que em novembro de 2023 vendeu para o grupo de gestão de ativos Aurelius por meros US$ 266 milhões, e há alguns meses foi decretada sua falência no Brasil.
Pouco antes de ser comprada pela Natura, a “The Body Shop” teve sua ética questionada por testar seus produtos em animais na China; a partir de então, a empresa sofreu um boicote severo na Europa, sendo que todas as tentativas posteriores de reabilitação da marca foram recebidas de forma negativa pelos consumidores.
Outro caso notório de greenwashing ficou conhecido como “Dieselgate“, quando restou comprovado, em setembro de 2015, que a Volkswagen utilizou um software para manipular os resultados de testes de emissões de veículos a diesel.
Cerca de 11 milhões de veículos a diesel da Volkswagen foram equipados com um “dispositivo de desativação” nos sistemas de controle de emissões dos veículos que detectava quando o carro estava sendo submetido a testes de emissões e alterava temporariamente o desempenho do motor para reduzir as emissões de óxidos de nitrogênio (NOx) a níveis aceitáveis. No uso cotidiano, no entanto, os carros emitiam até 40 vezes mais NOx do que os limites permitidos pelas normas ambientais americanas e europeias.
Como consequência, a Volkswagen foi multada em bilhões de dólares, além de ter enfrentado inúmeras ações judiciais, resultando em acordos bilionários com consumidores e estados. Diversos executivos da Volkswagen foram processados e alguns foram presos por seu envolvimento; além disso, a reputação da empresa sofreu um golpe significativo, perdendo a confiança de consumidores, investidores e reguladores ao redor do globo.
Um estudo feito pelo Conselho Internacional de Transporte Limpo (ICCT) estima que, sete anos depois do escândalo, cerca de 13 milhões de veículos equipados com o software fraudulento ainda estão em circulação, de forma que uma parte substancial da frota automotiva europeia está rodando e liberando gases tóxicos em “níveis extremos”.
O impacto do greenwashing no mundo corporativo é inquestionavelmente negativo. O greenwashing mascara os resultados de ESG, tem um impacto ambiental nocivo, portanto, agrava a crise climática, gera a perda de credibilidade e reputação, tem consequências legais e regulatórias como multas e sanções, um impacto financeiro que vem também da perda de consumidores.
No Brasil o boicote dos consumidores ainda não é tão acirrado. Segundo uma pesquisa quantitativa recente sobre os principais temas de sustentabilidade e as práticas de consumo dos brasileiros conduzida pela consultoria A Arte da Marca — com 1.042 pessoas acima de 18 anos, das classes ABCD, nas cinco regiões do país —, apenas 38% dos respondentes se dizem preocupados e comprometidos com a sustentabilidade, mas com o crescente interesse da população por temas ambientais isso tende a mudar.
Fonte:https://www.conjur.com.br/2024-ago-29/sustentabilidade-o-greenwashing-nas-comunicacoes-corporativas/