TJSP responsabiliza Telegram por distribuição indevida de conteúdo

Por Adriana David

 

Recentes decisões judiciais são favoráveis a quem comercializa material por meio de plataformas on-line de mensagens instantâneas

O Judiciário começa a criar jurisprudência favorável a quem comercializa conteúdo por meio de plataformas de mensagens instantâneas. Recentemente, o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) condenou o Telegram a pagar indenização por danos materiais (lucros cessantes) e morais a um professor por distribuição indevida por terceiro de conteúdo produzido por ele.

Por unanimidade, os desembargadores da 8ª Câmara de Direito Privado determinaram ainda que a plataforma remova o conteúdo divulgado indevidamente – sob pena de multa diária de R$ 1 mil, limitada a R$ 50 mil – e forneça os dados desse usuário para que também possa ser responsabilizado (processo nº 1087536-23.2023.8.26.0100).

Nesses processos, quem produz e comercializa conteúdo digital costuma alegar violação de direitos autorais e ao Marco Civil da Internet. Para a advogada Flavia Meleras, consultora da área de Tecnologia & Comunicação do Vieira Rezende Advogados, embora existam divergências, a tendência do Judiciário é favorável aos produtores de conteúdo, especialmente quando se trata de proteger a liberdade de expressão e assegurar os direitos autorais.

“Isso ocorre em resposta à crescente importância econômica e social da produção de conteúdo digital, bem como à necessidade de preservar os direitos fundamentais em um ambiente on-line cada vez mais regulamentado”, diz a advogada.

No caso, o curso digital produzido pelo professor foi disponibilizado no Telegram por usuário desconhecido e sem qualquer autorização, o que, segundo ele, viola o artigo 102 da Lei nº 9.610/98 que trata dos direitos autorais. O dispositivo estabelece que “o titular cuja obra seja fraudulentamente reproduzida, divulgada ou de qualquer forma utilizada, poderá requerer a apreensão dos exemplares reproduzidos ou a suspensão da divulgação, sem prejuízo da indenização cabível”.

Em contestação, o Telegram reconhece que há violação aos direitos autorais. “Ocorre apenas que não há responsabilidade da empresa [Telegram] por estes compartilhamentos ilegais”, diz a plataforma. Em sua defesa, invoca a regra do artigo 19 do Marco Civil da Internet (Lei 12.965, de 2014) acerca da mitigação da responsabilidade dos provedores de aplicações pelo conteúdo gerado por terceiros.

Em seu voto, porém, o relator do caso no TJSP, desembargador Benedito Antonio Okuno, destaca que “a ré [Telegram] tem responsabilidade por atos ilícitos praticados em sua plataforma, no caso de apropriação e uso de obra do autor e deve responder por sua inércia, independentemente da identificação de quem a praticou”.

O voto do relator foi seguido pelos demais integrantes do colegiado. Foi arbitrada indenização de R$ 5 mil por danos morais, e o valor referente aos lucros cessantes será apurado em liquidação de sentença. “A situação retratada nos autos vai além do mero aborrecimento, de forma que, como dito, caracterizado o dano moral.” Cabe recurso da decisão ao Superior Tribunal de Justiça (STJ).

De acordo com o advogado Lucas Uster, que defende o professor, o TJSP, no caso, entendeu que houve culpa da plataforma por vendas que o professor deixou de realizar. O especialista em direito digital atua em outros dois casos semelhantes contra a mesma plataforma e já há decisão favorável em ambos (entre eles, processo nº 1130598-50.2022.8.26.01000).

“Processos semelhantes têm sido cada vez mais frequentes”
— Flavia Meleras

Apesar de o Telegram estar sediado em Dubai, afirma o advogado, a Justiça brasileira pode exigir multa e até o desligamento da plataforma caso não cumpra o que foi determinado – como ocorreu no caso do X. “A plataforma precisa se adequar à legislação e remover o conteúdo, conforme solicitado”, diz Uster.

Esse caso, afirma a advogada Flavia Meleras, reforça a jurisprudência favorável aos produtores de conteúdo. “Reflete a tendência de reconhecer que a violação de direitos autorais em plataformas digitais exige uma resposta judicial efetiva para proteger os direitos dos produtores”, afirma ela, acrescentando que processos semelhantes envolvendo distribuição não autorizada de conteúdos digitais, como cursos on-line, têm sido cada vez mais frequentes.

Embora o Telegram possa alegar dificuldades técnicas para apresentar os dados dos usuários, acrescenta a advogada, não seria possível justificar essa omissão com base na Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD). A norma, diz, permite o tratamento de dados pessoais sem o consentimento dos titulares em situações específicas, como o cumprimento de obrigações legais ou regulatórias, incluindo ordens judiciais (artigo 7º, inciso II).

“A responsabilidade de preservar a privacidade dos usuários não se sobrepõe ao dever de cooperar com o cumprimento das leis, principalmente em casos de violação de direitos”, afirma Flavia Meleras, reforçando que, mesmo em casos de empresas com sede no exterior, a LGPD brasileira se aplicaria pelo fato de ter consumidores no Brasil, “o que afirma a sua competência”.

O Telegram já foi bloqueado por ter descumprido ordens brasileiras. Um exemplo ocorreu no ano de 2022, quando o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e o Supremo Tribunal Federal (STF) criticaram a falta de cooperação da plataforma em relação ao combate à desinformação durante o período eleitoral. Após meses de resistência, o aplicativo foi bloqueado temporariamente por decisão judicial, mas a medida foi suspensa após cumprir as exigências, incluindo a remoção de conteúdos e a cooperação com as autoridades.

Procurada pelo Valor, o advogado do Telegram afirmou não haver interesse em comentar o julgado. Verificou-se que, recentemente, o Telegram fez atualização na ferramenta de denúncias, para melhorar a remoção de conteúdos.

 

Fonte: https://valor.globo.com/legislacao/noticia/2024/10/24/tjsp-responsabiliza-telegram-por-distribuicao-indevida-de-conteudo.ghtml