A caracterização de uma compensação tributária como “não declarada” somente pode ocorrer nas hipóteses expressamente previstas em lei. Esse entendimento vem sendo reiterado pelo Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3) e pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), em decisões que reconhecem o caráter taxativo do rol do § 12 do artigo 74 da Lei nº 9.430/1996. As cortes têm afastado autuações em que a Receita Federal desconsidera créditos ou nega homologação de compensações fora das situações legalmente descritas, reforçando que a autoridade fiscal não pode ampliar, por interpretação, o alcance do dispositivo.
Na prática, quando o Fisco classifica uma compensação como “não declarada”, o contribuinte perde o direito à defesa específica prevista para as hipóteses de compensação não homologada, ou seja, a Manifestação de Inconformidade — recurso que garante efeito suspensivo e pode ser apreciado pelo Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf). Nesses casos, a única via recursal disponível é o Recurso Hierárquico, com prazo reduzido de dez dias e julgamento restrito à própria Receita Federal, sem possibilidade de revisão pelo Carf e sem efeito suspensivo automático.
Ocorre que o conceito de “compensação não declarada” está rigidamente delimitado pela legislação. O § 12 do artigo 74 da Lei nº 9.430/1996 — com redação dada pela Lei nº 11.051/2004 — estabelece um rol fechado de hipóteses, dentre as quais se incluem situações como: uso de créditos de terceiros; créditos relativos a títulos públicos; créditos decorrentes de decisões judiciais ainda não transitadas em julgado; créditos não vinculados a tributos administrados pela Receita Federal; ou créditos baseados em teses de inconstitucionalidade já declaradas improcedentes pelo Supremo Tribunal Federal (STF) ou atingidas por súmula vinculante. O dispositivo também abrange créditos formados com base em documentos de arrecadação inexistentes e créditos de PIS e Cofins na sistemática não cumulativa sem relação com o passivo correspondente.
Além disso, o inciso I do mesmo parágrafo remete ao § 3º do artigo 74, que também prevê hipóteses específicas em que a compensação é vedada, como nos casos de débitos já inscritos em dívida ativa, débitos parcelados, compensações anteriores ainda pendentes de julgamento administrativo e créditos objeto de pedido de restituição não decidido definitivamente.
Dessa forma, qualquer compensação que não se enquadre expressamente nessas hipóteses deve ser tratada como “não homologada”, e não como “não declarada”. Essa distinção é fundamental: enquanto a “não homologação” permite manifestação de inconformidade com efeito suspensivo (art. 74, §§ 7º a 11, da Lei nº 9.430/1996), a classificação indevida como “não declarada” elimina essa garantia processual, podendo levar à cobrança imediata do débito.
A jurisprudência recente confirma a posição de que a Administração não pode criar novas hipóteses de “não declaração” por meio de instruções normativas ou interpretações extensivas. O TRF3, no processo nº 0008460-71.2014.4.03.6114, entendeu que, quando o indeferimento da compensação se baseia em prescrição, o caso não se enquadra nas hipóteses legais de compensação não declarada. Assim, cabe ao contribuinte interpor Manifestação de Inconformidade, com efeito suspensivo, nos termos do art. 151, III, do Código Tributário Nacional (CTN). O acórdão da 4ª Turma, relatado pelo desembargador Marcelo Saraiva, confirmou a sentença que havia reconhecido a suspensão da exigibilidade do crédito tributário e negado provimento à apelação da Fazenda Nacional.
No mesmo sentido, o Superior Tribunal de Justiça analisou o Recurso Especial nº 1.689.920/SP, interposto pela União contra decisão que reconhecera a validade de compensação feita com créditos de PIS e Cofins sobre exportações. No caso, a Receita Federal havia classificado a operação como “não declarada” em razão da existência de ações judiciais ainda não transitadas em julgado que discutiam a exclusão do ICMS e do ISS das bases de cálculo dessas contribuições. O STJ manteve o entendimento do TRF3 de que essa situação não se enquadra no § 12, II, “d”, da Lei nº 9.430/1996, pois o crédito não derivava de decisão judicial e, portanto, não poderia ser tratado como compensação não declarada.
Segundo o voto do relator, a decisão administrativa que desconsidera créditos de exportação nessas condições afronta o princípio da legalidade tributária, uma vez que amplia indevidamente o alcance do dispositivo legal. O Tribunal reforçou que a legislação infralegal — como a Instrução Normativa RFB nº 900/2008 — não pode restringir o exercício do direito de compensar além do que a lei estabelece. Dessa forma, reconheceu-se a legitimidade da manifestação de inconformidade apresentada pela contribuinte, com o consequente efeito suspensivo da exigibilidade.
O precedente do STJ reafirma que o § 12 do artigo 74 tem caráter taxativo, não admitindo interpretações ampliativas pela administração tributária. Assim, quando a hipótese concreta não estiver expressamente prevista, deve prevalecer o regime de compensação não homologada, com direito ao contraditório e à ampla defesa.
Esse entendimento consolida a segurança jurídica no tratamento das compensações tributárias, delimitando a atuação do Fisco e assegurando ao contribuinte o devido processo administrativo. Na prática, reforça-se que eventuais discussões sobre validade de créditos ou alegações de prescrição devem ser processadas como não homologação — e jamais como não declaração —, sob pena de nulidade do ato administrativo.
A jurisprudência uniforme de TRF3 e STJ indica, portanto, que o contribuinte tem respaldo legal para impugnar classificações indevidas, inclusive por meio de mandado de segurança, sempre que o enquadramento como compensação não declarada extrapolar os limites do art. 74, § 12, da Lei nº 9.430/1996.