Transação Tributária: entre a estratégia e os desafios de uma política em evolução

A transação tributária deixou de ser um instrumento periférico para se tornar peça central da política fiscal brasileira. Desde a Lei nº 13.988/2020, seu alcance e sofisticação aumentaram, oferecendo oportunidades de regularização de passivos, mas também impondo riscos significativos a quem adere sem análise criteriosa. Nesse cenário, surgem questionamentos inevitáveis: como equilibrar o potencial de recuperação de créditos e redução da litigiosidade com a segurança jurídica dos contribuintes? E até que ponto as normas atuais cumprem o espírito original do legislador?

O debate se acirra à medida que a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) e a Receita Federal ampliam modalidades de negociação, incluindo débitos já inscritos em dívida ativa e discussões em curso no contencioso administrativo. Ao mesmo tempo, críticas apontam lacunas na regulamentação e na transparência, sobretudo no tratamento diferenciado entre empresas em recuperação judicial e massas falidas, além da ausência de dados públicos completos que permitam avaliar de forma objetiva os resultados da política.

Segundo Dayane Sâmela, a proliferação de editais da PGFN confirma que a transação tributária deixou de ser medida excepcional para se consolidar como ferramenta estratégica de gestão de passivos. Ela destaca duas modalidades principais: a tradicional, voltada à dívida ativa, com descontos que chegam a 70% e prazos de até 145 meses, e a mais recente, no contencioso administrativo, autorizada pela Lei nº 14.375/2022, que permite encerrar litígios antes da constituição definitiva do crédito tributário.

No entanto, existe um risco pouco discutido: a confissão de dívida exigida como condição para o acordo, que, conforme o art. 174, parágrafo único, IV, do CTN, interrompe o prazo prescricional e pode “ressuscitar” débitos próximos da extinção. Para a autora, a primeira providência do contribuinte deve ser auditar a exigibilidade do débito, evitando negociações desnecessárias ou prejudiciais.

Na avaliação de Eugênio Aragão e Tatiana Zuconi, a transação tributária é uma “infante” política pública ainda em fase de amadurecimento, que demanda transparência e monitoramento constantes. Eles ressaltam que, embora a Lei nº 13.988/2020 tenha equiparado créditos de empresas em recuperação judicial e massas falidas como irrecuperáveis, normas posteriores criaram tratamento mais favorável às primeiras, concedendo-lhes descontos de até 70%, superiores aos previstos para falidos.

Outro ponto crítico é a aplicação prática da Portaria PGFN nº 6.757/2022, cujo cálculo da capacidade de pagamento (“CAPAG”) não segue rigorosamente as categorias estabelecidas, e lembram que apenas em 2024 a regulamentação para massas falidas foi aperfeiçoada, passando a considerar variáveis mais realistas.

Nesse contexto,  o fortalecimento da cultura de pacificação exige diálogo efetivo com a sociedade e divulgação integral dos dados sobre negociações e resultados bem como regras claras para assim evitar aquilo que a transação mais se propõe, que é resolver a judicialização.

No conjunto, a transação tributária vive um momento de expansão e diversificação, mas carrega tensões entre pragmatismo arrecadatório e coerência normativa. A ausência de regulamentação detalhada para alguns procedimentos, somada a critérios de concessão de benefícios que se afastam do texto legal, ameaça a previsibilidade e a isonomia. Além disso, a exigência de confissão irrevogável de débitos, sem a devida cautela, pode converter oportunidades em passivos mais duradouros.

O futuro da política de transação tributária dependerá da capacidade do Estado em aprimorar a regulamentação, equalizar o tratamento entre diferentes perfis de devedores e assegurar a publicidade dos dados necessários para avaliação técnica de seus impactos. A consolidação desse instrumento, como mecanismo legítimo de resolução de conflitos tributários, passa necessariamente por um ambiente de negociação equilibrado, transparente e alinhado à finalidade de reduzir litigiosidade sem comprometer a segurança jurídica.

 

Fonte: https://tributario.com.br/a/transacao-tributaria-entre-a-estrategia-e-os-desafios-de-uma-politica-em-evolucao/