Inclusão de IBS e CBS na base de ICMS, ISS e IPI desvirtua a credibilidade da reforma tributária

A reforma tributária prometia simplificação e neutralidade, mas um ponto específico ameaça trazer de volta velhas distorções: a inclusão do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) na base de cálculo do ICMS, ISS e IPI durante o período de transição. A medida, defendida por entes federativos e questionada por juristas, reacende o debate sobre a legitimidade de tributar tributo e levanta dúvidas sobre os impactos para contribuintes e para a arrecadação.

Se, de um lado, estados e municípios enxergam na prática uma garantia de manutenção das receitas, de outro, especialistas alertam para os riscos de aumento indevido da carga tributária e de insegurança jurídica. Afinal, até que ponto o silêncio da Emenda Constitucional 132/2023 e da Lei Complementar 214/2025 pode ser interpretado como autorização implícita?

Segundo José Andrés Lopes da Costa, a inclusão do IBS e da CBS na base de cálculo do ICMS, ISS e IPI durante a transição configura uma violação frontal ao princípio da legalidade. Para ele, a Constituição, em seu artigo 150, inciso I, veda a cobrança ou majoração de tributo sem lei específica, e o fato de a legislação reformista não prever expressamente essa hipótese não significa autorização implícita. Na sua avaliação, a medida implicaria aumento disfarçado da carga, contrariando as anterioridades anual e nonagesimal. Além disso, perpetuaria a tributação em cascata, justamente o efeito que a reforma buscou eliminar ao adotar os princípios de simplicidade, neutralidade e transparência.

A segurança jurídica seria gravemente abalada. A transição foi desenhada para ser previsível, e modificar as bases de cálculo no meio do caminho, em tributos destinados à extinção, frustra a confiança legítima dos contribuintes. Eventual perda de arrecadação não justifica a violação de garantias constitucionais, devendo ser enfrentada no âmbito federativo por meio de mecanismos de compensação. Ao incluir IBS e CBS na base de tributos antigos, afirma, cria-se um retrocesso em direção ao sistema obsoleto que a reforma pretendia superar.

Os governos das três esferas federativas entendem de forma oposta e a ausência de proibição expressa na EC 132/2023 e na LC 214/2025 é interpretada como autorização para a inclusão dos novos tributos na base de cálculo do ICMS, ISS e IPI. Na visão de estados e municípios, afastar essa incidência representaria uma “anomalia” contrária ao princípio da neutralidade arrecadatória, podendo resultar em forte perda de receitas subnacionais. Estimativas da Frente Nacional de Prefeitas e Prefeitos apontam queda de até 16,2% na arrecadação do ISS até 2032 caso a cobrança seja afastada.

No entanto, advogados como Pedro Grillo e Ana Helena Souza apontam que a medida resgata justamente a distorção que a reforma buscava eliminar. A tributação em cascata caracteriza “ilusionismo fiscal” e fere os princípios da não cumulatividade e da transparência. Souza, por sua vez, compara o tema à chamada “tese do século” (Tema 69), em que o STF excluiu o ICMS da base do PIS e da COFINS, destacando que IBS e CBS não compõem o valor da operação, que deveria ser a base do ICMS e do IPI. Os advogados projetam uma onda de litigiosidade semelhante àquela verificada no passado, lembrando que a Corte ainda apresenta decisões divergentes sobre o tema.

O Centro de Cidadania Fiscal (CCiF), que participou da concepção inicial da PEC 45/2019, também alerta para o risco de contencioso massivo, com impacto direto na insegurança jurídica. A entidade ressalta que a inclusão de novos tributos na base dos antigos cria efeito cascata, eleva artificialmente os preços e compromete a neutralidade econômica. Além disso, encarece o custo de conformidade para empresas e dificulta a fiscalização pela administração tributária, ampliando o grau de complexidade justamente quando se buscava simplificação.

O embate, portanto, expõe um dilema central da transição tributária: equilibrar a arrecadação dos entes federados sem trair os fundamentos constitucionais da reforma. De um lado, governos sustentam a necessidade de manutenção das receitas para financiar serviços públicos essenciais. De outro, juristas e entidades técnicas denunciam a volta de um sistema em cascata, mais oneroso e menos transparente.

A judicialização, nesse cenário, surge como desfecho inevitável. Assim como no Tema 69, se nada for feito, caberá ao Supremo Tribunal Federal definir se o silêncio legislativo autoriza ou não a tributação. Até lá, empresas e contribuintes viverão em meio a incertezas, expostos a custos adicionais e à complexidade de disputas tributárias.

O que está em jogo não é apenas uma questão de técnica legislativa, mas a própria credibilidade da reforma. Se o objetivo era a construção de um sistema simples, neutro e transparente, a persistência da tributação em cascata durante a transição pode comprometer a confiança no novo modelo e reabrir antigas feridas do contencioso tributário brasileiro.

 

Fonte: https://tributario.com.br/a/inclusao-de-ibs-e-cbs-na-base-de-icms-iss-e-ipi-desvirtua-a-credibilidade-da-reforma-tributaria/