Ação no STF questiona regulamentação da reforma tributária

Por Laura Ignacio

O Instituto Nacional de Direitos da Pessoa com Deficiência Oceano Azul entrou com a primeira ação direta de inconstitucionalidade (ADI) contra dispositivos da regulamentação da reforma tributária — a Lei Complementar (LC) nº 214, de 2025. Com pedido de liminar, a entidade contesta critérios que teriam restringido o uso da alíquota zero do Imposto e da Contribuição sobre Bens e Serviços (IBS/CBS) na compra de automóveis por essas pessoas.

A ação do instituto foi protocolada no Supremo Tribunal Federal (STF) sob o nº 7779 e o relator designado é o ministro Alexandre de Moraes. Para especialistas em tributação, porém, esta é apenas a primeira das diversas ações que devem ser propostas para questionar benefícios fiscais concedidos na reforma.

A reforma tributária foi aprovada pelo Congresso Nacional no fim de 2023 por meio da Emenda Constitucional (EC) nº 132. No começo deste ano, foi sancionada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, com vetos, a LC 214. Os vetos ainda serão analisados.

A EC 132 estabelece que lei complementar preverá as hipóteses de alíquota zero de IBS/CBS para automóveis de passageiros adquiridos por pessoas com deficiência e pessoas com transtorno do espectro autista (artigo 9º, parágrafo 3º, inciso 2º, alínea “d”).

A ADI quer a declaração de inconstitucionalidade de dois dispositivos da LC 214 que regulamentam a questão. Ambos fazem restrições à aplicação da alíquota zero na compra de automóveis por pessoas com deficiência, o que inclui as pessoas com transtorno do aspecto autista (artigo 149, inciso II, alíneas b e c, e parágrafo 1º e artigo 150, inciso IV e parágrafo 1º).

A ação afirma que esses artigos são inconstitucionais porque violam o princípio da dignidade humana e da isonomia já que graus de deficiência são tratados de forma diferente. Também haveria suposta violação a compromissos internacionais assumidos pelo Brasil na Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência.

Análise

Para Thais Shingai e Breno Vasconcelos, sócios do Mannrich e Vasconcelos Advogados, conceder benefício fiscal gera contencioso em razão da corrida por seu aproveitamento. “Vemos agora a consequência do alerta feito em relação a benefícios fiscais durante as discussões sobre a reforma”, diz Vasconcelos. “Isso fere a neutralidade tributária.”

Thais alerta que no Projeto de Lei nº 68, que depois foi convertido na LC 214, o Executivo impôs o limite de até R$ 120 mil para o valor do veículo a ser adquirido com o benefício fiscal. Mas esse montante passou para até R$ 200 mil na LC 214. “Só mantiveram que o valor não pago de IBS/CBS pode ser de até R$ 70 mil.”

Além disso, diz ela, a EC 132 fala em automóveis adquiridos por pessoas com deficiência e pessoas com transtorno do espectro autista (TEA), mas a LC cita determinados graus de autismo. “Essa limitação para determinados graus de TEA terem acesso à alíquota zero é questionável”, afirma.

Em novembro, o Partido Verde (PV) protocolou uma ADI, com pedido de medida cautelar, no STF, contra a emenda constitucional. Nesse caso, o relator é o ministro Edson Fachin. A ação sustenta a inconstitucionalidade do artigo 9º, parágrafo 1º, inciso XI, que oferece incentivo fiscal para agrotóxicos.

“Política pública tem que ser feita com despesas do orçamento, não por meio de reforma tributária. A nova ADI é um indicativo de que várias outras discussões virão”, diz Vasconcelos.

O STF terá que analisar até onde pode ir uma lei para impor requisitos, segundo Maurício Barros, sócio do Cescon Barrieu. A Corte, afirma, já julgou que não se pode reduzir o âmbito de aplicação de imunidade. “A LC 214 fala de alíquota zero, mas o raciocínio é o mesmo”, afirma.

 

Fonte: https://valor.globo.com/legislacao/noticia/2025/02/06/reforma-tributaria-primeira-acao-contra-regulamentacao-entra-no-stf.ghtml