Brasil adota imposto mínimo global com críticas à constitucionalidade e incertezas na implementação do Pilar 2 da OCDE

O Brasil deu um passo relevante na incorporação do Pilar 2 da OCDE ao instituir, por meio da Lei nº 15.079/2024, um imposto complementar batizado de “adicional da CSLL” — tecnicamente classificado como um Qualified Domestic Minimum Top-up Tax (QDMTT). A medida, que se destina a garantir uma alíquota mínima de 15% sobre os lucros de grandes grupos multinacionais, representa uma resposta à crescente pressão internacional por uma tributação mais equitativa e coordenada. No entanto, juristas e tributaristas têm apontado sérios desafios e inconsistências na compatibilização da norma com a ordem constitucional brasileira e com a lógica do sistema tributário nacional.

O QDMTT brasileiro aplica-se a empresas pertencentes a grupos multinacionais com receitas anuais globais acima de 750 milhões de euros, devendo incidir sobre o lucro ajustado conforme critérios técnicos estabelecidos nos anexos da lei e pela Instrução Normativa RFB nº 2.228/2024. Na prática, o Brasil passa a ocupar uma posição de destaque na nova arquitetura fiscal internacional ao adotar o imposto mínimo global por iniciativa própria, evitando que jurisdições estrangeiras exerçam esse direito por meio das regras IIR (Income Inclusion Rule) ou UTPR (Undertaxed Payment Rule), instrumentos também previstos no Pilar 2.

Especialistas, no entanto, levantam preocupações quanto à forma de instituição do tributo. Uma das críticas mais frequentes é dirigida à suposta violação do princípio da legalidade estrita, ao se delegar amplos poderes normativos à Receita Federal para disciplinar aspectos centrais do QDMTT. Essa “deslegalização” é vista por tributaristas como um precedente perigoso, que transfere para o regulamento técnico o poder de modificar base de cálculo, critérios de apuração e condições de exigibilidade tributária, em afronta direta ao artigo 150, I, da Constituição Federal.

Além disso, o artigo 36 da nova lei determina que o adicional da CSLL será considerado não recolhido caso seja objeto de litígio judicial ou administrativo, inviabilizando seu aproveitamento como crédito para fins das regras GloBE. Essa restrição é interpretada por diversos juristas como uma tentativa inconstitucional de cercear o acesso ao Poder Judiciário, em confronto direto com o artigo 5º, XXXV, da Constituição.

Outro ponto sensível está relacionado à anterioridade tributária. A exigência do QDMTT, conforme estruturada, esbarra nos limites temporais previstos no artigo 195, §6º da Constituição, que impõe a observância de 90 dias entre a publicação da norma instituidora da contribuição social e sua exigibilidade. A discussão se intensifica diante da previsão, na própria lei, de atualizações periódicas por atos infralegais, que também impactam diretamente na carga tributária de maneira imediata.

Do ponto de vista técnico-contábil, a legislação impõe a apuração do chamado “Lucro GloBE”, que demanda exclusões e adições específicas, como dividendos, reavaliações a valor justo, ganhos cambiais e ajustes de substância ligados a ativos tangíveis e folha de pagamento. Esse modelo, inspirado nas diretrizes da OCDE, exige elevado grau de sofisticação contábil e pode gerar sobrecarga de compliance, especialmente para grupos que operam em múltiplas jurisdições com legislações divergentes.

Em relação ao cenário internacional, a adesão do Brasil ocorre em meio a tensões geopolíticas relevantes. A resistência dos Estados Unidos ao Pilar 2 — especialmente diante do posicionamento da gestão Trump contra medidas extraterritoriais — pode gerar insegurança jurídica para empresas multinacionais com base nos EUA, afetando a validade de dispositivos como o QDMTT e sua aceitação no ambiente regulatório global.

A adoção do QDMTT brasileiro também interage com políticas de incentivo regionais. Reduções de IRPJ por meio de benefícios fiscais, como os da Sudam e Sudene, podem resultar em alíquotas efetivas inferiores a 15%, exigindo o complemento por meio do novo tributo. Essa situação impõe desafios adicionais ao planejamento tributário de grupos empresariais que operam no Brasil e que até então usufruíam de vantagens fiscais regionais legalmente instituídas.

Por fim, embora a adoção do Pilar 2 represente uma tentativa de reposicionar o Brasil como ator relevante no cenário fiscal internacional, a sua implementação revela um conjunto de vulnerabilidades jurídicas e operacionais. Questões como a compatibilidade constitucional, o respeito aos princípios tributários, os riscos de judicialização e os custos de conformidade colocam o QDMTT em uma zona cinzenta entre a integração global e a preservação da soberania fiscal nacional.

O debate jurídico e político em torno do QDMTT e do Pilar 2 segue em aberto, exigindo atenção constante dos profissionais da área tributária, tanto no âmbito consultivo quanto contencioso. A depender da evolução normativa e das decisões dos tribunais, a nova contribuição poderá consolidar-se como um marco da modernização tributária — ou tornar-se mais um ponto de fricção institucional e judicial no já complexo sistema brasileiro.

Referências

MATTOS FILHO. Brasil introduz conceitos do Pilar 2 da OCDE na legislação tributária. Mattos Filho Advogados, 2024. Disponível em: https://www.mattosfilho.com.br/unico/brasil-introduz-conceitos-do-pilar-2-da-ocde-na-legislacao-tributaria/.

MENEDIN, Luiz Felipe; MADUREIRA, Vitória Machado de. Pilar 2: dificuldade de implementação no âmbito internacional e nacional. JOTA, 2024. Disponível em: https://www.jota.info/artigos/pilar-2-dificuldade-de-implementacao-no-ambito-internacional-e-nacional

ESTRADA, Roberto Duque. O Pillar 2 tropical: sobre o adicional de CSLL da Lei nº 15.079/2024. Consultor Jurídico, 2025. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2025-abr-16/o-pilar-dois-tropical-reflexoes-criticas-sobre-o-adicional-de-csll-da-lei-15-079-2024/.

LIMA, Daniel Serra; PEREIRA, Roberto Codorniz Leite. O pilar 2 da OCDE e os desafios à sua compatibilidade com o Direito brasileiro. Consultor Jurídico, 2025. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2025-jan-13/o-pilar-2-da-ocde-e-os-desafios-a-sua-compatibilidade-com-o-direito-brasileiro/.

 

Fonte: https://tributario.com.br/a/brasil-adota-imposto-minimo-global-com-criticas-a-constitucionalidade-e-incertezas-na-implementacao-do-pilar-2-da-ocde/