Carf valida estrutura de trading da Cargill em paraíso fiscal e afasta autuação bilionária

O Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) manteve decisão favorável ao Grupo Cargill em um processo de grande relevância sobre tributação internacional. O órgão afastou uma autuação de R$ 143 milhões ao reconhecer a legitimidade da operação de uma filial da empresa sediada nas Ilhas Turcos e Caicos, território britânico no Caribe. A decisão reafirma o entendimento de que a existência de uma trading em jurisdição de tributação favorecida não implica, por si só, em prática abusiva ou ausência de propósito negocial.

A controvérsia teve origem em um desdobramento de um processo administrativo aduaneiro de 2019, no qual a Cargill obteve decisão favorável ao contestar a tese de que sua filial atuava como uma interposição fraudulenta. Naquele julgamento, a empresa conseguiu reverter uma autuação de aproximadamente R$ 10 bilhões. Agora, o Carf analisou nova cobrança da Fazenda Nacional, que sustentava que a filial estrangeira não possuía substância econômica e era utilizada exclusivamente para obter benefícios fiscais.

O relator do caso, conselheiro Lucas Issa Halah, enfatizou que a trading tinha funções legítimas, incluindo a gestão de riscos cambiais, de crédito e de liquidez, além de facilitar a precificação de commodities. Ele destacou que a legislação brasileira dispõe de regras específicas para o controle de operações com empresas sediadas em paraísos fiscais, como normas de preços de transferência, subcapitalização e tributação de lucros no exterior. Por isso, segundo seu entendimento, não se pode afastar a legalidade dessas operações com base em conceitos subjetivos como “simulação”, especialmente quando há compatibilidade com as diretrizes das jurisdições envolvidas.

A Receita Federal e a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) sustentavam que a filial estrangeira era uma mera estrutura artificial, sem empregados e sem movimentação física de mercadorias. O argumento principal era de que as operações não apresentavam propósito negocial legítimo e visavam exclusivamente à obtenção de vantagem tributária. A Fazenda Nacional apontava, ainda, que a filial permitia a dedução de despesas cambiais que, no Brasil, seriam vedadas para fins de Imposto de Renda e CSLL, mas eram autorizadas pelas normas do território britânico.

Os conselheiros, no entanto, não consideraram esses argumentos determinantes. O entendimento majoritário foi de que o ordenamento jurídico brasileiro não proíbe, por si só, a utilização de regimes fiscais diferenciados no exterior, desde que respeitados os parâmetros normativos aplicáveis. A decisão reforça precedentes do tribunal administrativo em favor de contribuintes que comprovam a existência de uma operação legítima, ainda que estruturada em jurisdições de tributação favorecida. Casos similares já foram analisados, como os envolvendo as multinacionais Syngenta e Biosev, nos quais o Carf reconheceu a validade de estruturas de trading usadas para controle de riscos financeiros e eficiência operacional.

O desfecho do caso da Cargill é um exemplo de como a necessidade de um exame detalhado das operações empresariais antes da aplicação de sanções fiscais. Para especialistas, a decisão reitera que a presença de uma empresa em um paraíso fiscal, por si só, não configura evasão tributária, sendo essencial avaliar a função da filial dentro da estrutura do grupo e sua conformidade com as normas de tributação internacional.

processo nº 16561.720119/2018-14

 

Fonte: https://tributario.com.br/a/carf-valida-estrutura-de-trading-da-cargill-em-paraiso-fiscal-e-afasta-autuacao-bilionaria/