Incide o IR, PIS e Cofins sobre o valor do IPTU cobrado do locatário, por empresas imobiliárias, através de contrato de locação?

RESUMO: O artigo questiona as decisões dadas pelas Soluções de Consulta Cosit nº 38/2014 e nº 163/2011 que mandam incluir na base de cálculo do IRPJ, CSLL, PIS e Cofins, na sistemática de lucro presumido, os valores do IPTU e taxa condominial pagos pelo locatário em favor da empresa locadora, proprietária do imóvel, com base em contrato de locação firmado sob o respaldo nos Arts. 22, 23 e 25 da Lei nº 8.245/1991 (lei do inquilinato). Explora e aprofunda a análise, trazendo para o contexto a posição das Normas Brasileiras de Contabilidade, explicitadas pelos CPC 00 (R2) e CPC 47 – Rev. 21 e a doutrina contábil mais recente sobre a matéria. A crítica contempla a posição de que a cobrança do IPTU e da taxa condominial do inquilino é negociada e depois firmada por meio de contrato de locação, com o respaldo na lei do inquilinato. Por este modelo, o locador atua como um fiel depositário da importância recebida do locatário, depois recolhe o IPTU para fazenda pública municipal e a taxa condominial para o próprio condomínio, que é autônomo e independente em relação à administradora e proprietária do imóvel. Conclui que a solução dada por ambas as Soluções de Consulta Cosit é enviesada, por deixar de considerar estas disposições da lei do inquilinato, o conceito de receita tributável, nos moldes do entendimento já pacificado pelo STF. O IPTU e a taxa condominial recebidos nestas condições não representam aumento patrimonial para a empresa locadora, por não se constituir elemento novo e positivo, sem reservas ou condições. Esta posição aparece alinhada à doutrina do direito tributário atual sobre a matéria e à posição já pacificada pelos tribunais superiores, como requisitos essenciais para que determinada receita seja considerada tributável.

Coteja e levanta contradições entre a posição dada pela SC Cosit nº 163/2011, que manda tributar pela Cofins o IPTU e a taxa condominial recebidos pelo locador, e a solução dada pela SC Cosit nº 62/2023, que não permite a tomada de crédito da mesma taxa condominial paga pela empresa locatária do referido imóvel, na condição de aquisição de insumos.

Palavras-chaves: IPTU, taxa de condomínio, contrato de locação, locador, locatário, empresa imobiliária, receita tributável, incidência do IR sobre IPTU.

ABSTRACT: The article questions the decisions given by the Consultation Solutions Cosit nº 38/2014 and nº 163/2011 that order the inclusion in the calculation base of IRPJ, CSLL, PIS and Cofins, in the presumed profit system, the values of IPTU and condominium fee paid by the lessee in favor of the leasing company, owner of the property, based on a lease agreement signed under the support of Arts. 22, 23 and 25 of Law nº 8.245/1991 (tenant law). Explores and deepens the analysis, bringing into context the position of the Brazilian Accounting Standards, explained by CPC 00 (R2) and CPC 47 – Rev. 21 and the most recent accounting doctrine on the matter. The criticism contemplates the position that the collection of IPTU and the tenant’s condominium fee is negotiated and then signed through a lease agreement, with the support of the tenancy law. Under this model, the lessor acts as a trustee of the amount received from the lessee, then collects the IPTU for the municipal public farm and the condominium fee for the condominium itself, which is autonomous and independent from the administrator and owner of the property. It concludes that the solution given by both Cosit Consultation Solutions is biased, as it fails to consider these provisions of the tenancy law, the concept of taxable income, in line with the understanding already pacified by the STF. The IPTU and the condominium fee received under these conditions do not represent an asset increase for the leasing company, as they do not constitute a new and positive element, without reservations or conditions. This position appears in line with the current tax law doctrine on the matter and the position already pacified by the higher courts, as essential requirements for a given income to be considered taxable.

Compares and raises contradictions between the position given by SC Cosit nº 163/2011, which orders the IPTU and the condominium fee received by the landlord to be taxed by Cofins, and the solution given by SC Cosit nº 62/2023, which does not allow the taking of credit of the same condominium fee paid by the lessee company of said property, under the condition of acquisition of inputs.

Keywords: IPTU, condominium fee, lease agreement, landlord, tenant, real estate company, taxable income, incidence of IR on IPTU

Sumário

  1. INTRODUÇÃO
  2. POSIÇÃO DA RFB SOBRE A INCLUSÃO DO IPTU NA BASE DE CÁLCULO DOS TRIBUTOS
  3. QUESTIONAMENTOS NA ÓTICA DO CONTRIBUINTE
  4. DESCONSIDERAÇÃO DE LEI ORDINÁRIA COMO EXCEÇÃO AUTORIZADA PELO ART. 123 DO CTN
  5. PARA O LOCADOR O IPTU E TAXAS CONDOMINIAIS SÃO RESSARCIMENTOS AUTORIZADOS
  6. CONCLUSÃO

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

  1. INTRODUÇÃO

Os contadores e operadores do direito frequentemente se deparam com incoerências e até mesmo contradições do fisco federal, manifestadas pelas Soluções de Consulta Cosit, o que dificulta enormemente os trabalhos de consultoria destes profissionais.

Por sua vez, os contribuintes alimentam expectativas de sempre poder contar com uma legislação clara e precisa, a fim de que todos os que estão sob o seu manto possam compreender claramente, se não em seus infinitos detalhes, ao menos o sentido final de seus comandos. Isto é necessário, para que a legislação sempre seja transparente e de fácil compreensão de todos os que a ela estão submetidos, além de permitir de pronto avaliar o reflexo econômico e financeiro decorrente de seu impacto e ter a certeza de que esta mesma compreensão é igualmente compartilhada por todos os demais pagadores de impostos e cumpridores de suas obrigações acessórias.

Este equilíbrio nem sempre é fácil para o legislador e para o intérprete da lei, mas se constitui num desafio cotidiano de todos os que se encontram enredados nesta teia de dispositivos legais relativos a impostos.

A legislação tributária ordinária, em sua grande maioria, nem sempre é redigida de forma a englobar todos os fenômenos econômicos de interesse do Estado para geração de receitas públicas e alocação de recursos, visando o cumprimento de objetivos de política econômica, por meio do emprego de instrumentos de tributação. Muitas vezes isto fica a cargo de disposições legais inferiores à lei ordinária, tais como, as instruções normativas, portarias, decisões normativas, soluções de consulta, dentre outras. Ocorre que o teor de comando destas disposições não pode ultrapassar o que dispõe a legislação ordinária, o que nem sempre ocorre, aumentando sobremaneira as fontes de insegurança jurídica.

Trazemos hoje, neste artigo, duas posições, no mínimo incoerentes da RFB sobre a incidência do IRPJ, CSLL, PIS e Cofins sobre as taxas condominiais e o IPTU recebidos dos inquilinos por pessoas jurídicas que operam no ramo imobiliário de administração de imóveis próprios e auferem receitas de locação e venda desses imóveis. Para os contribuintes, estes ingressos de recursos são meros ressarcimentos de gastos enfrentados pelas empresas imobiliárias sobre seus imóveis próprios, cujo reembolso ao locador está regulado entre este e o locatário, por meio de contrato de locação, firmado sob o respaldo de lei ordinária, sem qualquer questionamento judicial.  Já para a RFB estes recebimentos significam receita bruta de locação, tendo em vista o enquadramento das taxas condominiais e do IPTU por elas recebidos como custos e despesas de locação.

O tema se justifica pela frequência com que aparece no dia a dia das consultorias, pela vultosa soma que ele representa e por significar risco tributário fiscal considerável.  Do ponto de vista intelectual, o assunto permite aprofundar nos argumentos de ambas as partes, fisco e contribuinte, e com isso melhorar as práticas contábeis e tributárias cotidianas das empresas, além de contribuir para a consolidação da doutrina contábil sobre o assunto.

  1. POSIÇÃO DA RFB SOBRE A INCLUSÃO DO IPTU NA BASE DE CÁLCULO DOS TRIBUTOS

Inicialmente, vejam a posição da RFB, manifestada pela Solução de Consulta Cosit nº 38, de 19 de fevereiro de 2014, a respeito do que o órgão entende serem receitas auferidas e tributáveis pelo IRPJ e CSLL, para as empresas optantes do lucro presumido, como segue abaixo:

ASSUNTO: IMPOSTO SOBRE A RENDA DE PESSOA JURÍDICA – IRPJ.

 

EMENTA: LUCRO PRESUMIDO. RECEITA BRUTA. ADMINISTRAÇÃO DE IMÓVEIS PRÓPRIOS. DESPESAS CONDOMINIAIS. TAXAS E TRIBUTOS INCIDENTES SOBRE O IMÓVEL ADMINISTRADO.

 

Consideram-se receitas auferidas pelas empresas de administração de imóveis próprios, decorrentes do exercício de sua atividade principal, além de aluguéis decorrentes de locação, valores recebidos também dos locatários referentes ao próprio imóvel administrado, independente da denominação utilizada, que se prestam a pagar despesas como o consumo de água, luz e gás, conservação, higiene e limpeza de aparelhos sanitários, de iluminação, ramais de encanamentos d’água, esgoto, gás, luz, pinturas, vidraças, ferragens, torneiras, pias, ralos, banheiros, registros, manutenção de elevadores, vigilâncias e demais acessórios em perfeito estado de conservação e funcionamento, bem como todos os impostos e taxas que incidam ou venham a incidir sobre o imóvel locado, incluindo-se IPTU, Taxa de Lixo e apólice de seguro contra incêndio e danos de qualquer natureza à estrutura do imóvel.

 

Assim, tais valores devem integrar a base de cálculo sobre a qual se calcula o lucro presumido das pessoas jurídicas optantes por esta modalidade de tributação do IRPJ, de que trata o art. 15 da Lei nº 9.249, de 26 de dezembro de 1995. (grifamos).

 

DISPOSITIVOS LEGAIS: Lei nº 8.981, de 1995, art. 31; Lei nº 9.249, de 1995, art. 15 e 25; Lei n° 5.172, de 1966, art. 123; Decreto nº 3.000, de 1999 (RIR/99), arts. 299. (grifamos)

Já em relação às contribuições sociais do PIS e Cofins, de incidência cumulativa, observem o que a Solução de Consulta nº 163, de 25 de julho de 2011, entende ser a base de cálculo dessas contribuições.

ASSUNTO: Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social – Cofins

 

EMENTA: CUMULATIVIDADE. RECEITA BRUTA. ADMINISTRAÇÃO DE IMÓVEIS PRÓPRIOS. ALUGUEL. IPTU. ÁGUA. MULTA. JUROS. CONDOMÍNIO. COMISSÃO DE IMOBILIÁRIA.

 

Receita Bruta para fins de apuração da Cofins das empresas sujeitas à incidência cumulativa da contribuição que tenham por atividade a administração de bens próprios inclui, além do valor percebido a título de aluguel, todas as demais verbas recebidas do locatário a qualquer título, como multas, juros, taxas de água e condomínio, IPTU, entre outras, por se tratar de receita operacional própria da atividade empresarial, não sendo admitida a dedução de comissões pagas a imobiliárias em face da inexistência de previsão legal. (grifamos).

 

ASSUNTO: Contribuição para o PIS/Pasep

 

EMENTA: CUMULATIVIDADE. RECEITA BRUTA. ADMINISTRAÇÃO DE IMÓVEIS PRÓPRIOS. ALUGUEL. IPTU. ÁGUA. MULTA. JUROS. CONDOMÍNIO. COMISSÃO DE IMOBILIÁRIA.

 

Receita Bruta para fins de apuração da Contribuição ao PIS/Pasep das empresas sujeitas à incidência cumulativa da contribuição que tenham por atividade a administração de bens próprios inclui, além do valor percebido a título de aluguel, todas as demais verbas recebidas do locatário a qualquer título, como multas, juros, taxas de água e condomínio, IPTU, entre outras, por se tratar de receita operacional própria da atividade empresarial, não sendo admitida a dedução de comissões pagas a imobiliárias em face da inexistência de previsão legal. (grifamos).

 

No entendimento do fisco, para os contribuintes do lucro presumido devem ser tributadas todas as verbas cobradas pelo proprietário do imóvel, incluindo-se, porém não se fixando apenas nas despesas de consumo (telefone, energia, gás, água e esgoto), seguro fiança e taxa condominial, independentemente da natureza do que estiver sendo cobrado, da denominação utilizada e da sua forma de contabilização.

O fisco utiliza como argumento para sustentar sua posição, a analogia que faz com um contribuinte tributado pelo lucro real. Às fls 5, item 15, da Solução de Consulta Cosit nº 38/2014 retro diz:

(…) as despesas com tributos municipais, como o Imposto sobre a Propriedade Territorial Urbana (IPTU), taxa de lixo, taxa de água, gás, luz, despesas de condomínio, entre outras, constituiriam custos ou despesas inerentes aos serviços prestados (vide arts. 290, 299 e 344 do Decreto nº 3.000, de 26 de março de 1999 — RIR/99). Em outras palavras, compõem o preço dos serviços prestados e, por conseguinte, integram a receita bruta decorrente da atividade social de administração de imóveis próprios. (grifamos).

O pensamento norteador do Consultor da RFB é que para cumprir o objeto social da empresa locadora e proprietária do imóvel é natural que esta incorra em custos e despesas a fim de administrar o seu próprio patrimônio, e por isso, compõem estes valores o preço final dos serviços prestados e, por consequência a receita bruta. Ou seja, para a RFB, estas despesas ou custos são essenciais e, portanto, obrigatórios para a geração da receita e para o cumprimento do objeto social da empresa, podendo, ao final do período de apuração, serem descontados da receita bruta para a obtenção do lucro real, a ser tributado pelo IRPJ e CSLL.

Assim, para a RFB devem ser tributados para fins de apuração do IRPJ, CSLL, PIS e Cofins, tanto para o lucro presumido quanto para o lucro real, o valor do IPTU e das despesas condominiais recebidos do locatário, independentemente da nomenclatura contábil dada às contas envolvidas.

E mais, enfatiza o órgão fiscalizador, recorrendo ao disposto no Art. 123 do CTN, que as despesas pagas pelo contribuinte são, mesmo que de acordo com cláusula contratual, adimplidas por conta e ordem de terceiros (locatário). Com este argumento, o fisco afirma que não podem os elementos e regras do direito civil serem opostas à do direito tributário para modificar a definição legal do sujeito passivo das obrigações tributárias correspondentes.” (grifamos).

  1. QUESTIONAMENTOS NA ÓTICA DO CONTRIBUINTE

Aqui a Consultoria extrapola, uma vez que as convenções particulares (neste caso, o contrato de locação) relacionadas ao pagamento de tributos não vão contra as exigências de responsabilidade pelo seu pagamento, como é o espírito do Art. 123 do CTN. Não há nenhuma convenção particular que está sendo oposta pelo contribuinte às determinações legais da Fazenda Pública, para se evitar o pagamento de tributos. Nem se diga que o contrato de locação é a convenção entre particulares, que neste aspecto está correto, mas que a cobrança do IPTU, como ressarcimento de despesas pagas pelo locador, não é a prevalente nesta relação que permita aplicar o Art. 123 do CTN, como razão maior do fisco para exigir a tributação desta recuperação de despesas. No fundo, a cobrança do IPTU e das despesas condominiais do locatário decorre essencialmente de disposições de lei, a lei do inquilinato – Lei nº 8.245/1991 – que se quer foi considerada pela Solução de Consulta Cosit acima.

Assim, numa interpretação enviesada do fisco, como tentativa de cobrar o IR, PIS e Cofins sobre o valor do IPTU ressarcido pelo locador, por força do contrato de locação, foram avocadas as disposições do Art. 123 do CTN. Mas não pode, no caso ora em análise, o contrato de locação para o ressarcimento da cobrança do IPTU e de condomínio ser considerado elemento de oposição à Fazenda Pública, a fim de que possa eventualmente ser avocada como modificadora da “definição legal do sujeito passivo das obrigações tributárias correspondentes.” (grifamos).

Para uma interpretação justa e bem razoável do Art. 123 do CTN, nas condições aqui em exame, e com base nos princípios de contabilidade, a colocação de um exemplo pode trazer luzes para o correto entendimento da intenção do legislador: Suponha que ao alugar o imóvel, locador e locatário assinaram contrato de locação, de forma regular e com todos os requisitos legais plenamente satisfeitos, onde conste que este último (locatário) é o responsável pelo pagamento do IPTU do imóvel, enquanto estiver usufruindo o bem, na condição de inquilino.

Como o IPTU tem como fato gerador a propriedade do imóvel e o contribuinte do imposto é o seu proprietário (Art. 156, inciso I, da CF/1988, c/c Art. 32 a 34 do CTN), não pode o locador, se questionado pela Prefeitura local sobre eventual inadimplência do imposto, transferir a responsabilidade pelo pagamento do IPTU ao locatário, somente por constar do contrato de locação que este terá a responsabilidade pelo seu pagamento.  Esta responsabilidade contratual é apenas para que o locador cobre junto do aluguel o valor do IPTU, na forma de ressarcimento de seus custos ou despesas, previamente convencionado entre as partes, e depois efetue o pagamento à fazenda pública municipal.

É isso que o Art. 123 do CTN deseja coibir: que “as convenções particulares” não possam transferir a responsabilidade pelo pagamento do tributo, a quem a lei tributária já impôs, evitando-se assim que aquele contrato de locação possa “ser oposto à Fazenda Pública (SIC municipal), para modificar a definição legal do sujeito passivo das obrigações tributárias correspondentes”.  Ou seja, o contrato de locação, mesmo que legitimamente firmado, não tem o poder de alterar a responsabilidade perante a Fazenda pública municipal pelo pagamento do IPTU, que será sempre do proprietário do imóvel (locador).  Assim, se o locatário não lhe reembolsar o valor convencionado no contrato, caberá ao locador, por meio de uma ação judicial de cobrança, interpelar o locatário para o recebimento do valor combinado. A disposição contratual apenas estabeleceu que o locatário pague ao locador o valor do IPTU incidente sobre o imóvel que está usando.

Conforme se verá mais adiante, o valor reembolsado não é receita para o recebedor, nem do ponto de vista das normas de contabilidade e tampouco com base nas leis tributárias.

Como corolário, o disposto em cláusulas do contrato de locação, atribuindo a responsabilidade do pagamento do IPTU e despesas condominiais pelo inquilino em favor do locador é apenas uma convenção entre particulares, o que não reduz, nem exime a responsabilidade como  contribuinte perante o poder tributante, como é o núcleo de comando do Art. 123 do CTN. Tanto que a efetiva receita bruta operacional do locador (aluguel) está sendo regularmente tributada.

Aliás, aqui não é a convenção particular (contrato de locação), mas uma disposição de lei em contrário, que permite a recuperação pelo locador dessas despesas ou custos, mediante a cobrança do valor do IPTU e das despesas ordinárias do condomínio.

No item 22 da última SC acima referida, a RFB pondera que a consulente é optante do lucro presumido, forma opcional de tributação oferecida ao contribuinte, e, portanto, não há que se falar em dedução de custos e despesas para a apuração da receita tributável. A própria aplicação do percentual de presunção de lucro tributável (32,0%, no caso de receita de aluguel), implica em que a diferença, ou seja, os 68,0% restantes já são custos e despesas necessárias e obrigatórias à geração da receita bruta.

Neste sentido, “todos os valores recebidos compõem o preço da locação” (item 23 da mesma SC supra), afirma a RFB.

Também para o PIS e Cofins cumulativos, segundo a RFB, devem ser incluídas além do valor percebido a título de aluguel, todas as demais verbas recebidas do locatário, a qualquer título, como multas, juros, taxas de água e condomínio, IPTU, entre outras, por se tratar de receita operacional própria da atividade empresarial, não sendo admitida a dedução de comissões pagas a imobiliárias em face da inexistência de previsão legal (SC nº 163/2011).

Pois bem, a posição da RFB acima pode e deve ser questionada, mesmo por que o assunto não é pacífico entre os doutrinadores da contabilidade e do direito tributário. Vamos então aos argumentos e fatos.

  1. DESCONSIDERAÇÃO DE LEI ORDINÁRIA COMO EXCEÇÃO AUTORIZADA PELO ART. 123 DO CTN

Inicialmente, é preciso registrar que as disposições da Lei nº 8.245/1991, que cuida das locações de imóveis urbanos (lei do inquilinato), sequer foram mencionadas e, portanto, não foram consideradas nas soluções dadas pelas SCs da Cosit acima analisadas.

Com efeito, o Art. 22 da Lei nº 8.245/1991 prevê uma exceção que deveria ser levada em conta e que não foi considerada pelo fisco: fica sob a responsabilidade do locador pagar os impostos e taxas, exceto se existir disposição expressa em contrário no contrato de locação, conforme abaixo:

Art. 22. O locador é obrigado a:

 

(…)

 

VIII – pagar os impostos e taxas, e ainda o prêmio de seguro complementar contra fogo, que incidam ou venham a incidir sobre o imóvelsalvo disposição expressa em contrário no contrato; (grifamos).

Neste particular, já é prática consagrada, no mercado brasileiro de locação de imóveis, que os inquilinos devam pagar as despesas com condomínio (aqui se incluindo todos os custos e despesas correntes para a manutenção do condomínio, exatamente os mesmos itens de custos e despesas listados pela SC já referida), além do IPTU da unidade imobiliária locada, proporcional ao número de meses de locação, seguindo a mesma lógica e prazos de parcelamento concedidos pela Prefeitura local para o pagamento.

O Art. 23 da mesma lei do inquilinato obriga o locatário a pagar pontualmente o aluguel e os encargos de locação contratualmente exigíveis (inciso I), onde se inclui normalmente, segundo as práticas de mercado, como encargos, o pagamento do IPTU, além das despesas condominiais:

Art. 23. O locatário é obrigado a:

 

I – pagar pontualmente o aluguel e os encargos da locação, legal ou contratualmente exigíveis, no prazo estipulado ou, em sua falta, até o sexto dia útil do mês seguinte ao vencido, no imóvel locado, quando outro local não tiver sido indicado no contrato;

 

(…)

 

VIII – pagar as despesas de telefone e de consumo de força, luz e gás, água e esgoto;

 

(…)

 

XII – pagar as despesas ordinárias de condomínio. (grifamos).

De acordo com o que prevê o Art. 25 da Lei nº 8.245/1991, a cobrança do ressarcimento das despesas de condomínio e do IPTU, desde que previsto em contrato, poderá ser feito pelo locador juntamente com o aluguel do mês:

Art. 25. Atribuída ao locatário a responsabilidade pelo pagamento dos tributos, encargos e despesas ordinárias de condomínio, o locador poderá cobrar tais verbas juntamente com o aluguel do mês a que se refiram. (grifamos).

Observem, neste ponto, que além da prática cotidiana desta atividade econômica, referendada por termos expressos no contrato de locação, há o respaldo legal de uma lei ordinária, com mais de 31 anos de existência, sem qualquer questionamento jurídico, quanto à sua validade ou aplicabilidade.  Portanto, um critério líquido e certo, comum à enorme maioria das locações. Na esteira desses argumentos, é muito sintomática a não consideração da lei das locações pela RFB ao examinar a dúvida da consulente naquela SC. O próprio Art. 123, do CTN, avocado pelo órgão consultor, para validar a primazia da lei tributária sobre as convenções particulares determinadas pela lei civil, não se aplica diretamente àquela matéria, porquanto lá há uma exceção da própria lei complementar (CTN) que deixou de ser observada pela Solução de Consulta:

(…) Salvo disposições de lei em contrário, as convenções particulares …..  (grifamos).

Neste caso, deve ser aplicada exatamente a exceção prevista no Art. 22, inciso VIII, c/c Art. 25, ambos da Lei nº 8.245/1991, ao estabelecer que o locador é obrigado a pagar os impostos incidentes sobre o imóvel locado, exceto nos casos em que houver “disposição expressa em contrário no contrato”, hipótese em que esta obrigação passa a ser do locatário. Aqui a prática comum no mercado de locação é o pagamento do IPTU, juntamente com o aluguel, por meio de inclusão de cláusula própria no contrato de locação, definindo que o IPTU deva ser pago pelo inquilino, podendo ser feito diretamente por ele à Prefeitura local, em nome do locador, ou na forma de ressarcimento se por este for pago antecipadamente ou no vencimento das quotas mensais.  Constando de cláusula contratual que a responsabilidade pelo pagamento do IPTU é do locatário e sendo o contrato respaldado por lei, como é o caso, temos aqui uma relação jurídica perfeita, líquida e certa, estabelecida entre as partes e dentro dos estritos respaldos e limites da lei.

  1. PARA O LOCADOR O IPTU E TAXAS CONDOMINIAIS SÃO RESSARCIMENTOS AUTORIZADOS

Desta forma, tanto a cobrança das despesas ordinárias mensais, que compõem a taxa condominial, quanto a cobrança do IPTU diretamente do inquilino representam simples ressarcimento de despesas, uma vez que o locador tem todo o direito de escolher se quer deixar para o inquilino pagar diretamente à administradora do condomínio ou à Prefeitura local ambas as despesas ou se deseja exercer um maior controle por meio do pagamento antecipado ou no vencimento das duas taxas e depois o recebimento, de acordo com cláusulas contratuais, como ressarcimento dos dispêndios já realizados.

Isto não significa absolutamente dar outra nomenclatura às despesas, quer de condomínio ou de IPTU, como assume, sem qualquer justificativa, a Solução de Consulta nº 38/2014, ao pontuar em seu item 18 que “é descabido o argumento de afastar estas despesas como se de outrem fossem, …”. As despesas condominiais e de IPTU aqui debatidas não se enquadram como se fossem de outro. Não! Por força do contrato de locação, ajustado livremente entre as partes, com respaldo em lei ordinária, não questionada judicialmente, estes custos e despesas são da outra parte e não do locador.  Portanto, não podem absolutamente esses ressarcimentos serem receitas brutas do locador. Registre-se que, ainda por força deste mesmo contrato, os valores do condomínio (aprovados por assembleia de condôminos) e do IPTU definido por lei municipal, são cobrados do locatário nos exatos valores devidossem mais, nem menos, ou seja, não se constituem em nenhum subterfúgio de novas receitas que possam eventualmente estar sendo omitidas da tributação.

E se o IPTU e as taxas condominiais fossem pagos diretamente pelo locatário à Prefeitura local e ao condomínio, sem que os valores transitassem pelo caixa do locador, só por isso deixariam de ser receitas? Não!

Transitando ou não pelo caixa do locador os valores pagos a título de taxa condominial e de IPTU continuam tendo suas naturezas intrínsecas imutáveisnão são receitas do locador. Vejam o questionamento formulado no parágrafo anterior para validação da assertiva, apenas com a mudança do tempo verbal para uma melhor compreensão: Se deixaram de ser receitas deste locador é por que antes as eram. Mas, como antes, verdadeiramente, já não eram receitas do locador, não podem agora deixar de ser. Portanto, por silogismo, os valores recebidos do locatário não são efetivamente receitas do locador. São receitas do condomínio (taxa condominial) e da fazenda pública municipal (IPTU). O locador apenas está atuando como um ente arrecadador para em seguida efetuar o repasse (pagamento) a quem de direito. Só faz isso visando ter um melhor controle da adimplência destas despesas.

De mais a mais, para que os valores recebidos como ressarcimento sejam caracterizados como receitas tributáveis deveriam ser garantidos que houvesse um aumento patrimonial para o locador, representado por elemento novo e positivo, sem reservas ou condições, o que absolutamente não é.  Os valores de despesas condominiais e do IPTU recebidos do locatário, na forma ora em exame, são meros ressarcimentos, porquanto, após o seu recebimento e pagamento, os atos significam apenas a manutenção do valor patrimonial do locador antes do pagamento e que pelo recebimento apenas foi recomposto. Não há, portanto, qualquer acréscimo patrimonial representado pelo recebimento da quota condominial e do IPTU, não podendo ser objeto de tributação, nem do IRPJ, CSLL, PIS ou Cofins.

O rigor contábil exige que, para se reconhecer uma transação como receita, deve-se obrigatoriamente ser atendido o disposto no item 4.68 do Pronunciamento Técnico CPC 00 (R2) – Estrutura Conceitual de Contabilidade, expedido pelo Conselho Federal de Contabilidade:

4.68 Receitas são aumentos nos ativosou reduções nos passivos, que resultam em aumentos no patrimônio líquido, exceto aqueles referentes a contribuições de detentores de direitos sobre o patrimônio. (grifamos).

Suponha exatamente o caso aqui tratado, no qual pelas regras do contrato de locação as despesas de condomínio e de IPTU são de responsabilidade do locatário, ficando para o locador apenas a antecipação de pagamento, para recuperação posterior, como forma de se precaver de eventuais inadimplências, já que são de sua responsabilidade, que poderiam resultar em dificuldades na obtenção das respectivas certidões negativas das obrigações.

Tomando-se por base o recebimento de aluguel no valor de R$ 2.000,00, acrescido de IPTU de R$ 60,00 e taxa condominial de R$ 250,00, estes últimos, já pagos pelo locador, então os lançamentos contábeis são:

A – Pelos pagamentos do IPTU e da taxa condominial antecipados pelo locador:

  • Débito da conta de IPTU a Recuperar (AC), no valor de R$ 60,00;
  • Débito da conta Taxa Condominial a Recuperar (AC), no valor de R$ 250,00
  • Crédito da conta de Banco (AC), no valor de R$ 310,00.

B – Pelos Recebimentos de Aluguel, IPTU e Taxa Condominial pagos pelo locatário:

  • Débito da conta de Banco (AC) pela totalidade do recebimento de R$ 2.310,00;
  • Crédito da conta IPTU a Recuperar (AC), no valor de R$ 60,00
  • Crédito da conta Taxa condominial a Recuperar (AC) de R$ 250,00
  • Crédito da conta de Aluguel (Resultado) de R$ 2.000,00.

Ao final dos lançamentos, nas contas do razão apresentarão os seguintes saldos:

  • IPTU a Recuperar (AC) e Taxa Condominial a Recuperar (AC) com saldos iguais a zero;
  • Conta de Banco (AC) com aumento líquido de saldo de R$ 2.000,00
  • Conta de Aluguel (Resultados) aumento líquido de R$ 2.000,00.

Ora, neste caso, aritmeticamente, temos um aumento direto no patrimônio líquido pelos exatos R$ 2.000,00, correspondendo ao valor da receita de aluguel de R$ 2.000,00. Este é o valor da receita tributável, que corresponde precisamente ao valor do próprio aluguel, ou seja, é o esforço produtivo gerado pelo locador na prestação de serviços de locação do imóvel, contrabalançado por igual valor nas utilidades geradas neste processo produtivo e usufruídas pelo locatário, por meio do uso do imóvel.

Desta forma, somente pode ser admitida e reconhecida uma transação como receita, se houver um acréscimo correspondente no patrimônio líquido contábil da entidade, o que efetivamente não ocorre com o recebimento do IPTU e da taxa de condomínio pela administradora de bens próprios, como demonstrados acima.

Atualmente, o Pronunciamento Técnico CPC 47 – Rev. 21 – Receita de Contrato com Cliente, que complementa o CPC 00 (R2) acima, regula o reconhecimento de receita para fins contábeis. Referido CPC indica a combinação do disposto nos itens 9 e 31 para o reconhecimento de receitas, como segue:

9. A entidade deve contabilizar os efeitos de um contrato com um cliente que esteja dentro do alcance deste pronunciamento somente quando todos os critérios a seguir forem atendidos:

 

(a) quando as partes do contrato aprovarem o contrato (por escrito, verbalmente ou de acordo com outras práticas usuais de negócios) e estiverem comprometidas em cumprir suas respectivas obrigações;

 

(b) quando a entidade puder identificar os direitos de cada parte em relação aos bens ou serviços a serem transferidos;

 

(c) quando a entidade puder identificar os termos de pagamento para os bens ou serviços a serem transferidos;

 

(d) quando o contrato possuir substância comercial (ou seja, espera-se que o risco, a época ou o valor dos fluxos de caixa futuros da entidade se modifiquem como resultado do contrato); e

 

(e) quando for provável que a entidade receberá a contraprestação à qual terá direito em troca dos bens ou serviços que serão transferidos ao cliente. Ao avaliar se a possibilidade de recebimento do valor da contraprestação é provável, a entidade deve considerar apenas a capacidade e a intenção do cliente de pagar esse valor da contraprestação quando devido. O valor da contraprestação à qual a entidade tem direito pode ser inferior ao preço declarado no contrato se a contraprestação for variável, pois a entidade pode oferecer ao cliente uma redução de preço (ver item 52). 

 

(…)

 

31. A entidade deve reconhecer receitas quando (ou à medida que) a entidade satisfizer à obrigação de performance ao transferir o bem ou o serviço (ou seja, um ativo) prometido ao cliente. O ativo é considerado transferido quando (ou à medida que) o cliente obtiver o controle desse ativo. (grifamos)

 

Portanto, para ser receita é necessário o atendimento aos incisos “a” a “e” do item 9, c/c o item 31, todos do CPC 47 – Rev. 21 acima. Um requisito comum a ser destacado é que a receita somente decorre da entrega (transferência, com o exercício de controle pelo adquirente) de bens ou serviços vinculados a um contrato com cliente. A receita então deve ser reconhecida quando houver a transferência (entrega, colocação à disposição) de bem ou serviços ao cliente, em cumprimento ao que prevê o contrato como contraprestação.

No exemplo acima apenas se colocou à disposição do cliente da administradora (locatário) o imóvel para o seu uso e “controle desse ativo”, mediante a remuneração de R$ 2.000,00, que é a receita de aluguel reconhecida pela contabilidade. Não se colocou o imóvel para uso e controle mediante o pagamento do IPTU e taxa condominial, pois sempre será de responsabilidade do proprietário o seu pagamento. Com efeito, quando o imóvel permanecer sem locação, portanto, sem geração de receita, o proprietário continuará pagando a parcela do IPTU e da taxa condominial, normalmente.

Atribuindo contornos práticos ao reconhecimento da receita, a doutrina contábil recomenda que esta somente deva ser reconhecida quando representar benefícios econômicos (se revista de substância econômica para quem recebe – um novo valor auferido decorrente de esforço produtivo) oriundo de atividades ordinárias (regulares, comuns, correntes, normais) da entidade e que signifiquem um aumento do patrimônio líquido.

Como um aprofundamento no tema, sobre a mensuração desta receita (valor da receita), por exemplo, HENDRIKSEN E VAN BREDA, (2015, p. 226) esclarecem que a receita deve ser medida “pelo valor de troca do produto ou serviço da empresa”. Na sequência diz, “Em muitos casos, esse montante é o preço estipulado com o cliente numa transação à vista.” (grifamos).  No assunto em debate, o preço estipulado com o cliente é exatamente o valor do aluguel, objeto do contrato de locação. É isto que deve ser medido, por ser este o valor da receita.  Mutatis mutandis, o valor do IPTU e da taxa condominial não podem jamais ser o preço estipulado com o cliente, porquanto, o primeiro depende da definição dada por lei municipal e o segundo, pela assembleia de condôminos, regulada pela convenção de condomínio.

MARTINS (2010, p. 364) diz que “qualquer que seja o conceito de renda que se venha a adotar, esta deve, naturalmente, representar um efetivo acréscimo patrimonial, medido entre dois momentos, …” e mais “… que para haver incidência do tributo a renda deve estar efetivamente realizada, isto é, incorporada, definitivamente, ao patrimônio da sociedade empresarial, sob pena de não poder afirmar que este teria sido efetivamente acrescido.”.

Ao tratar do reconhecimento contábil de receitas, à luz das novas Normas Brasileiras de Contabilidade, agora convergidas à Normas Internacionais, CARVALHO e CARMO (2012, p. 284), após afirmar que “a receita deve ser reconhecida quando resultar em aumento nos benefícios econômicos dos ativos ou em diminuição nos valores dos passivos, que não sejam provenientes de investimentos por parte de seus proprietários …”, pontua: “Isso implica que o reconhecimento da receita ocorre simultaneamente com o reconhecimento do aumento nos ativos ou da diminuição nos passivos”, exatamente como argumentado e demonstrado acima.

Para os aluguéis recebidos por pessoas físicas, o Art. 14, da Lei nº 7.739//1989 define que não integrarão a base de cálculo do imposto de renda de que trata a Lei nº 7.713, de 22 de dezembro de 1988, no caso de aluguéis de imóveis: o – o valor dos impostos, taxas e emolumentos incidentes sobre o bem que produzir o rendimento; …, IV – as despesas de condomínio.” (grifamos). Ou seja, nem o IPTU, nem a taxa condominial deve ser base de cálculo do IR. Este é o comando legal de tributação, justamente por que somente pode ser considerada receita tributável o valor do aluguel recebido, pois apenas este é que tem o poder de elevar o patrimônio líquido do locador, por se constituir em elemento novo e positivo, sem reservas ou condições.

Por vezes, se percebe nas manifestações de técnicos da RFB, ao esboçar posições, que os fatos registrados pela contabilidade não devem se sobrepor ao que determina a lei tributária, para com isso, invalidar determinados argumentos construídos de forma justa e transparente por muitos contribuintes. Os contribuintes sabem que a lei é soberana e que os fatos contábeis não têm poderes de modificar o que a lei já definiu como fato gerador de um tributo, por exemplo. Mas, é importante reconhecer que a contabilidade é útil para se compreender mais a fundo os fenômenos econômicos diretamente vinculados à incidência tributária.

Neste sentido, MARTINEZ (2015, p. 83) é muito feliz na abordagem, ao afirmar que “A técnica contábil é utilizada como meio para mensurar os fenômenos patrimoniais, sendo útil para configurar os aspectos quantitativos da incidência tributária.”. E, avança um pouco mais na qualificação da técnica contábil: “Compreende-se melhor o fenômeno da incidência tributária quando se procede ao estudo da causalidade jurídica da sucessão de acontecimentos necessários para o nascimento da obrigação tributária individualizada.”.

Por todo o exposto, o recebimento pelo locador do IPTU pago pelo locatário, que depois será transferido para a Fazenda pública municipal, não representa efetivamente nenhum benefício econômico para o recebedor; não decorre de atividade econômica ordinária e normal diretamente vinculada ao objeto social explorado pelo contribuinte e, muito menos, representa qualquer acréscimo do patrimônio líquido da empresa locadora.

Neste momento, são muito ilustrativas duas posições vencedoras no julgamento histórico pelo STF do RE nº 574.706/PR, sobre a exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e Cofins, uma vez que aqueles argumentos valem também para outros tributos, incluindo-se o IPTU, exatamente como neste artigo está sendo discutido.

No item 7 (p. 23/24 do Inteiro Teor do Acórdão no RE nº 574.706/PR), em seu voto vencedor, a Ministra Carmem Lúcia, ao justificar sua posição pela não inclusão do ICMS na base de cálculo do PIS e Cofins, assim se expressou:

(…) não constitui receita do contribuintelogo ainda que, contabilmente, seja escrituradonão guarda relação com a definição constitucional de faturamento para fins de apuração da base de cálculo das contribuições.

 

Portanto, ainda que não no mesmo momento, o valor do ICMS tem como destinatário fiscal a Fazenda Pública, para a qual será transferido. (grifamos).

O que a Ministra diz, de forma clara e cristalina, é que o valor do imposto tem como destinatário fiscal a Fazenda Pública, para a qual será transferido, e não o contribuinte, mesmo que seu valor seja escriturado em sua contabilidade.

No seu voto, que acompanha a Ministra Carmem Lúcia, no mesmo julgamento, a Ministra Rosa Weber (p. 79 do Inteiro Teor do Acórdão) assim se expressou:

Quanto ao conteúdo específico do conceito constitucional, a receita bruta pode ser definida como o ingresso financeiro que se integra no patrimônio na condição de elemento novo e positivosem reservas ou condições, na esteira da clássica definição que Aliomar Baleeiro cunhou acerca do conceito de receita pública: 

 

Receita pública é a entrada que, integrando-se no patrimônio público sem quaisquer reservas, condições ou correspondências no passivo, vem acrescer o seu vulto, como elemento novo e positivo. (grifamos).

O que a Ministra Rosa Weber também fala de forma categórica e igualmente cristalina, parafraseando o clássico Doutrinador do Direito Tributário Brasileiro, Aliomar Baleeiro, é que para ser receita, a entrada deve integrar o patrimônio de quem recebe, sem quaisquer reservas, condições ou correspondências no passivo do contribuinte, o que não ocorre com o IPTU.  Por isso, jamais pode ser considerado receita, e, muito menos, tributável.

Portanto, não há o menor sentido a inclusão do IPTU na base de cálculo do PIS e Cofins, porquanto não guarda relação alguma com o conceito constitucional de receita bruta. O contribuinte, na condição de empresa imobiliária, é mero depositário fiel do valor recebido do locatório, determinado pelas disposições do contrato de locação, autorizado pelo Art. 25 da Lei nº 8.245/1991 (lei do inquilinato), com a responsabilidade de recolher ao Erário público aquele montante.

Aliás, como assim fazem todas as demais empresas imobiliárias que administram imóveis de terceiros: recebem a taxa condominial e o IPTU dos inquilinos e depois efetuam os pagamentos. Isto nunca foi questionado pelo fisco para que oferecessem o valor recebido à tributação do IR, PIS ou Cofins. Ela também é mera depositária do valor recebido a título de IPTU do inquilino, cuja unidade imobiliária administra. Nem poderia sofrer tributação, uma vez que o ingresso não representa receita, já que não implica em aumento patrimonial para o recebedor e muito menos elemento novo e positivo, sem reservas ou condições.

De outro modo, observem a contradição da RFB na solução dada pela Solução de Consulta Cosit nº 163/2011, amplamente discutida acima, quando comparada com aquela oferecida pela SC Cosit nº 62, de 16/03/2023, bem recente, que assim se manifesta:

Assunto: Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social – Cofins

 

NÃO CUMULATIVIDADE. APROPRIAÇÃO DE CRÉDITOS. INSUMOS. IMÓVEIS PRÓPRIOS. VENDA OU ALUGUEL. TAXAS DE CONDOMÍNIO. IMPOSSIBILIDADE. 

 

É vedada a apropriação de créditos da não cumulatividade da Cofins, na modalidade aquisição de insumos, vinculados a taxas de condomínio relativas a bens imóveis próprios destinados à venda ou à locação.

 

SOLUÇÃO DE CONSULTA PARCIALMENTE VINCULADA À SOLUÇÃO DE CONSULTA COSIT Nº 218, DE 6 DE AGOSTO DE 2014, E À SOLUÇÃO DE CONSULTA COSIT Nº 84, DE 29 DE JUNHO DE 2020.

 

Dispositivos Legais: Código Civil, arts. 565, 593 e 594; Lei nº 10.637, de 2002, art. 3º, II; Instrução Normativa RFB nº 2.121, de 2022, art. 176, § 2º, XI. (grifamos)

Na primeira SC de nº 38/2014, a RFB manda tributar pelo PIS e Cofins as despesas condominiais e o IPTU ressarcidos em favor do locador, mas nesta última e mais recente Solução de Consulta Cosit nº 62/2023 não permite a tomada de créditos da Cofins relativos às despesas de condomínio de imóveis próprios destinados à locação. Ora, é sintomática a posição de que, para fins de incidência da Cofins, a primeira solução de consulta indique que o devedor deva incluir na sua base de cálculo a taxa condominial e o IPTU recebidos pelo locador, mas que a pessoa jurídica locatária do mesmo imóvel, sobre o qual  pagou o condomínio (situação em que a RFB entende serem devidas as contribuições), e que deveria ter o crédito da Cofins sobre esses valores, na modalidade de insumos, não possa fazê-lo.

Estamos aqui diante de uma enorme incoerência de raciocínio e de postura do órgão fiscalizador. Pela interpretação da RFB, se o contribuinte está obrigado a oferecer o recebimento das taxas condominiais e do IPTU dos imóveis próprios locados, por que a pessoa jurídica que pagou estas taxas e sobre as quais o estado já recebeu as referidas contribuições, não poderia tomar a mesma base como crédito na sua apuração da Cofins, já que ela é não cumulativa?  Não há o menor sentido e coerência nesta posição.

  1. CONCLUSÃO

Para a RFB incide o IRPJ, CSLL, PIS e Cofins sobre o valor recebido pelo locador, a título de IPTU e taxas condominiais pagos pelo locatário, mesmo que conste do contrato de locação. Para o contribuinte do lucro real, o Órgão fiscalizador justifica a inclusão destas despesas recebidas como parte da receita bruta, já que é ”natural que esta incorra em custos e despesas decorrentes da administração de seu próprio patrimônio”.

Na sistemática do lucro presumido, a RFB entende que, por se tratar de uma opção do contribuinte, a receita bruta considerada como base para a presunção do lucro também deve somar os mesmos custos e despesas recebidos do locatário, o que inclui o IPTU, taxas condominiais e todas os demais gastos, mesmos nas condições de reembolso, de tal sorte que sobre este montante, o equivalente a 32,0% é o lucro presumido, e a diferença para completar os 100,0%, compõe seus custos e despesas. Esta mesma receita bruta deve sofrer incidência do PIS e Cofins cumulativos, na ótica da RFB.

É uma posição bem fiscalista, que não leva em conta as determinações da lei do inquilinato para a cobrança destas despesas. Pelo Art. 25, da retro referida lei, desde que conste do contrato de locação, o locador pode negociar com o locatário que os gastos com o IPTU e as despesas de condomínio são despesas a cargo do inquilino e, com isto realizar a sua cobrança e repasse à fazenda pública local e ao próprio condomínio que é independente e autônomo para administrar o prédio.

O ponto crucial da divergência entre o contribuinte e o órgão fiscalizador federal é sobre de quem é a responsabilidade pelo pagamento das despesas do IPTU e de condomínio do imóvel de propriedade da empresa locadora. Neste sentido, nossa posição é que, em razão das práticas de mercado deste segmento de locação no Brasil e a autorização dada pelo Art. 23, combinado com o Art. 25, da Lei nº 8.245/1991, os gastos com o IPTU e  taxa condominial correm por conta do locatário.  Deste modo, qualquer pagamento efetuado pelo inquilino ao locador, para que este efetue o pagamento diretamente à fazenda pública municipal e ao condomínio é uma mera decisão das partes, visando a melhor administrar a relação comercial.

Estas disposições legais sequer foram consideradas na Solução de Consulta Cosit nº 38/2014 e, por isso, a solução dada pode ser considerada enviesada, além de privar o contribuinte de conhecer qual seria a posição final da RFB, caso estes dispositivos legais fossem considerados.

Contudo, há bons argumentos e razões para que o ressarcimento pelo locador das despesas de condomínio e do IPTU, no caso aqui estudado, seja efetivamente uma recomposição de sua posição patrimonial existente antes do recebimento e após o pagamento de ambas as taxas. O contribuinte locador, nesta circunstância, é um mero depositário fiel do valor recebido do locatário, cuja responsabilidade é a de efetuar os pagamentos correspondentes a quem de direito.

Estes valores não devem sofrer a tributação do IRPJ, CSLL, PIS ou Cofins, porque não representam aumento patrimonial para o locador, por não se constituir elemento novo e positivo, sem reservas ou condições, alinhados com toda a doutrina do direito tributário e a posição já pacificada pelo STF, como requisitos essenciais para que determinada receita seja considerada tributável.

Assim sendo, estamos diante de enorme incoerência de raciocínio e postura do órgão fiscalizador sobre a matéria. Há divergências entre Soluções de Consulta Cosit analisadas. Determinada SC orienta, para o contribuinte do lucro presumido, que se deva incluir na base IRPJ, CSLL, PIS e Cofins as taxas condominiais e o IPTU ressarcidos pelo locatário em favor do locador, mas em outra, se posiciona pela vedação ao crédito das despesas de condomínio, na forma de insumos, na apuração da Cofins de base não cumulativa.

Para finalizar, se o contribuinte não desejar correr riscos fiscais ou contestar a RFB perante o judiciário, não resta alternativa se não recolher o IRPJ, CSLL e mais essas contribuições sociais, todas incidindo sobre as despesas de condomínio e de IPTU pagos pelo locatário.

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HENDRIKSEN, Eldon S.; VAN BREDA, Michael F. Teoria da contabilidade. 5ª ed. Americana. Tradução de Antonio Zoratto Sanvicente. São Paulo: Atlas, 2015.

MARTINEZ, Antonio Lopo. Limites dos Conceitos Contábeis no Fato Gerador do Imposto de Renda. In: Controvérsias Jurídico-Contábeis: Aproximações e Distanciamentos. Coord.: MOSQUERA, Roberto Quiroga e BROEDEL LOPES, Alexsandro. 6º v., São Paulo: Dialética, 2015, p. 71-90.

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Tributario.com.br

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