Em outubro de 2022, foi publicada a Instrução Normativa da Receita Federal (IN RFB) nº 2107/2022, posteriormente substituída pela IN RFB nº 2.110/2022 [1], autorizando a escrituração, na competência do mês corrente, de parcelas remuneratórias complementares, que deveriam integrar, originariamente, a base de cálculo das contribuições previdenciárias devidas em meses anteriores. Tal faculdade dispensa o contribuinte de retificar as declarações passadas e permite o recolhimento das contribuições no mês da declaração corrente.
Ato contínuo, também foi publicada, em outubro/2022, a Nota Orientativa S 1.1.2022.02 [2] do eSocial, no sentido de que o pagamento das contribuições previdenciárias por meio do exercício dessa faculdade afasta a exigência de acréscimos legais.
De acordo com a IN RFB e a nota orientativa do eSocial, a empresa pode incluir parcelas devidas em meses anteriores na escrituração da folha de pagamento do mês corrente, ficando dispensada da obrigação de retificar as declarações do período anterior, bem como de recolher os acréscimos legais, desde que (1) discrimine os valores devidos ao trabalhador em cada competência e (2) recolha as contribuições desse período em conjunto com as contribuições devidas no mês corrente.
É importante frisar que essa faculdade não pode ser aplicada de forma irrestrita, pois a própria IN RFB determina que sua utilização somente pode ser feita pelo contribuinte quando as parcelas relativas aos períodos anteriores forem apuradas ou conhecidas após o fechamento da folha da competência na qual seriam devidas.
Em razão disso, seria importante definir o momento de fechamento da folha de pagamento, marco temporal para utilização dessa faculdade, que não foi expressamente citado tanto na IN RFB como na nota orientativa.
Nesse sentido, apesar de ainda não haver orientação expressa da Receita quanto ao momento do efetivo fechamento da folha de pagamento, a IN RFB considera cumprida a obrigação de elaboração de folha mensal a partir do envio, com sucesso, dos eventos S-1200 (Remuneração de trabalhador vinculado ao Regime Geral da Previdência Social), S-2299 (Desligamento) e S-2399 (Trabalhador sem vínculo de emprego/estatutário — término) do eSocial. Dessa forma, em que pese ainda não haver manifestação expressa da Receita, seria razoável considerar a data de transmissão dos eventos do eSocial supracitados como a de fechamento da folha para a utilização da faculdade pelo contribuinte.
Há, ainda, a possibilidade de a Receita entender que o envio da DCTFWeb representaria o fechamento da folha de pagamento. Contudo, caso a Receita chegue a tal interpretação, os contribuintes poderiam questionar eventual entendimento no sentido de que a transmissão dos eventos relacionados à folha de pagamento corresponderia à obrigação distinta à relacionada ao envio da DCTFWeb, já que a primeira possui o condão de prestar as informações de folha e a última de constituir o crédito tributário.
Apenas para uma melhor contextualização, bem como a fim de evidenciar a importância do tema, a partir da faculdade criada pela IN RFB, as empresas podem realizar o pagamento de parcelas complementares, retirando do empregador a necessidade de reabertura das declarações enviadas anteriormente quando a apuração ou conhecimento ocorrer após o fechamento da respectiva folha de pagamento.
Todavia, a IN RFB também prevê a aplicação da faculdade para parcelas complementares de “meses anteriores”, ou seja, a empresa pode informar parcelas que não sejam necessariamente do mês imediatamente anterior, desde que também tenham sido apuradas ou conhecidas após o fechamento da folha de pagamento das competências originárias.
Ademais, apesar de não estar textualmente previsto na IN RFB, a nota orientativa salienta, expressamente, que “a utilização da faculdade ora disciplinada não importará na aplicação de acréscimos legais”. Assim, a interpretação conjunta da IN e da nota orientativa, permite concluir que, além da desnecessidade de retificação das declarações pretéritas, também não haverá a exigência de acréscimos legais, isto é, a incidência de multa e juros.
A interpretação acima é corroborada pela Solução de Consulta (SC) Cosit nº 104[3], de 24/5/2023, publicada recentemente. Os pagamentos decorrentes de acordos, convenções e dissídios coletivos que impliquem em reajuste salarial e retroagem ao mês da data-base, obrigaria as empresas a retificarem as bases de cálculo. Contudo, a solução de consulta entende que, nesses casos, desde que cumpridas as previsões trazidas pelo artigo 27 da IN RFB nº 2.110/2022, mencionadas acima nos itens (1) e (2), não haverá a necessidade de retificação das obrigações acessórias.
A faculdade instituída não pode ser confundida com o instituto da denúncia espontânea, uma vez que a intenção da legislação não consiste em retirar a exigência de multa para contribuinte que cometeu infração e espontaneamente cumpriu a obrigação tributária. Nota-se, na verdade, que o objetivo da norma ora discutida é o de não punir, com a necessidade de retificação de obrigações acessórias e recolhimento de encargos, o contribuinte que somente teve conhecimento do fato gerador após o fechamento da respectiva folha de pagamento.
Dessa forma, a instituição dessa faculdade é extremamente positiva às empresas, desde que seja utilizada com cautela, com a observância dos requisitos previstos na IN RFB e nota orientativa, sendo importante destacar que, caso a Receita verifique que alguns dos requisitos previstos não foram cumpridos, poderá aplicar penalidades seja pelo recolhimento em atraso, como ainda pelo envio de obrigações acessórias incorretas.
*Este artigo não representa opinião legal, tratando-se apenas de uma análise feita pelos autores à luz da legislação
[1] http://normas.receita.fazenda.gov.br/sijut2consulta/link.action?idAto=126687
[2] https://www.gov.br/esocial/pt-br/documentacao-tecnica/manuais/nota-orientativa-s-1-1-02-2022.pdf
[3] http://normas.receita.fazenda.gov.br/sijut2consulta/link.action?idAto=130953
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Por Chede Domingos Suaiden, sócio-conselheiro da área previdenciária do Bichara Advogados.
Luiz Felipe de Alencar Melo Miradouro, sócio do Bichara Advogados.
Victoria Martins Afonso, advogada do Bichara Advogados.
Revista Consultor Jurídico