O Supremo Tribunal Federal (STF) definiu, no julgamento do Tema 69 da Repercussão Geral (RE 574.706), que o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços (ICMS) não compõe a base de cálculo do Programa de Integração Social (PIS) e da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins).
A decisão foi tomada com base no entendimento de que o ICMS apenas ‘transita’ na contabilidade da empresa, não ingressando de forma definitiva no seu patrimônio, uma vez que os valores serão repassados à Fazenda Pública Estadual. Como conclusão, o ICMS não integraria a receita bruta, base de cálculo das contribuições.
A chamada “tese do século” gerou inúmeras teses derivadas, que receberam o apelido de “teses filhotes”. Pautados no racional empregado pelo STF no julgamento do Tema 69, os contribuintes ajuizaram uma série de ações visando o reconhecimento do direito de excluir os mais diversos tributos da base de cálculo de outros tributos, em especial aqueles que têm como base de cálculo a receita bruta.
Dentre as teses derivadas, várias já tiveram a repercussão geral reconhecida. O Supremo irá julgar, por exemplo, a possibilidade de exclusão do Imposto Sobre Serviço (ISS) da base de cálculo do PIS e da Cofins (Tema 118) e a exclusão do PIS/Cofins de suas próprias bases de cálculo (Tema 1.067). Outras teses já foram objeto de decisão, como é o caso das teses em que se discutia a possibilidade de exclusão do ICMS e do ISS da base de cálculo da Contribuição Previdenciária sobre a Receita Bruta (CPRB).
Ocorre que, além das discussões que envolvem a exclusão de determinados tributos sobre a base de cálculo de outros tributos (ou até do mesmo tributo que se busca excluir — por exemplo, exclusão do PIS/Cofins da própria base), os fundamentos utilizados no julgamento do Tema 69 deram margem ao aparecimento, ou, em outros casos, ao fortalecimento, de outras teses que defendem a exclusão, da base de cálculo de certos tributos, de receitas que não possuem natureza pública ou tributária, mas que decorrem de arranjos contratuais.
Uma dessas teses diz respeito à exclusão das receitas de interconexão e roaming da base de cálculo das contribuições ao PIS e a Cofins pagas pelas empresas de telecomunicações (“operadoras”).
A interconexão e o roaming envolvem o compartilhamento de redes de telecomunicação entre operadoras distintas. Às vezes, para completar um determinado serviço, a operadora precisa utilizar a rede de propriedade de outra operadora. A título exemplificativo: se um usuário da operadora A deseja se comunicar com um usuário da operadora B, há a necessidade de a operadora A utilizar a rede da operadora B, de modo a viabilizar a prestação do serviço. A receita auferida pela operadora A pela prestação desse serviço deve, por força legal, ser repartida com a operadora B.
Embora o tema já estivesse em discussão no Judiciário há tempos, a tese defendida pelas operadoras ganhou força com a decisão proferida no Tema 69. O STF entende que o ICMS não integra a receita bruta da empresa porque não representa ingresso definitivo de receita no patrimônio da pessoa jurídica; afinal, os valores serão repassados aos cofres públicos.
O racional do tema 69 é plenamente aplicável em relação às receitas auferidas pelas operadoras que são posteriormente repassadas a terceiros em contrapartida à cessão de suas redes. Esses valores, como o ICMS, apenas “transitam” na contabilidade da operadora prestadora do serviço.
O tema em questão já foi julgado pela 2ª turma de direito público do Superior Tribunal de Justiça (STJ) em duas ocasiões, e pela 1ª turma em outra ocasião mais recente.
O resultado foi desfavorável aos contribuintes nos dois casos julgados pela 2ª turma e em ambos os casos, a decisão afastou a aplicação do racional utilizado no Tema 69 da Repercussão Geral, sob o argumento de que “os temas são conexos, mas não são idênticos: o precedente do STF trata do repasse de receitas públicas/tributárias, o presente caso trata do repasse de receitas privadas/contratadas (…)”.
A 1ª turma entendeu diferente, decidindo, de forma unânime, que os valores repassados a outras operadoras, a título de compensação pela interconexão/roaming, não integram a base de cálculo do PIS e da Cofins.
O tema, vale destacar, ainda não chegou a ser julgado pelo STF, de modo que não há qualquer indício em relação ao entendimento da Corte sobre esse assunto em específico. Há, apenas, decisão monocrática, proferida pelo Ministro Gilmar Mendes, no sentido de que a matéria tem natureza infraconstitucional e, portanto, não seria de competência do STF.
No REsp 1.599.065/DF, a Ministra Regina Helena Costa justificou a análise no âmbito do STJ para evitar o “limbo jurisdicional”. Entretanto, consideramos provável que a matéria chegue ao STF em algum momento, afinal, o que está em debate é, justamente, o conceito de faturamento/Receita Bruta, conceito que norteou o julgamento do Tema 69.
Outro caso interessante que recentemente chegou ao Judiciário envolve os restaurantes e bares que se utilizam de plataformas digitais, como o Ifood, Rappi e Uber Eats, para intermediar as suas vendas.
Esses contribuintes estão ajuizando ações com o objetivo de excluir as taxas pagas a essas plataformas de sua receita bruta para fins do cálculo do PIS e da Cofins ou para a determinação da faixa de receita para fins de aplicação das alíquotas do DAS (Documento de Arrecadação do Simples Nacional), no caso de ser optante pelo Simples Nacional.
O impacto, para as empresas do Simples é imenso: como as alíquotas aplicáveis no regime do Simples variam de acordo com “faixas” de Receita Bruta, a exclusão desses valores, que chegam a 30% do valor cobrado do cliente, tem impacto direto na alíquota efetiva a ser aplicada pelo contribuinte.
Analisamos dois casos em que o provimento foi, em sede de sentença, favorável ao contribuinte. No Mandado de Segurança nº 5003370-24.2023.4.02.5101, foi proferida sentença concedendo a segurança. No entanto, o fundamento jurídico utilizado pelos julgadores não está em linha com o pedido feito.
Isso porque a análise feita pelos magistrados nos dois processos partiu do pressuposto equivocado de que o que estava em questão era a possibilidade de apropriação de créditos do PIS e da Cofins sobre as referidas comissões, quando, na realidade, a discussão dizia respeito ao conceito de Receita Bruta para fins de definição da base de cálculo do PIS e da Cofins e da alíquota aplicável no Simples Nacional.
De fato, não há que se falar em análise quanto à essencialidade ou relevância da despesa, se as empresas impetrantes — que, ao que tudo indica, estão no Simples Nacional — nem sequer têm direito à apropriação de créditos de PIS/Cofins, vez que não estão no regime não-cumulativo das contribuições.
A discussão, que está em fase incipiente, provavelmente vai assumir um contorno mais bem definido no futuro.
Conclui-se que as ramificações do decidido no Tema 69 são vastas e, supomos, imprevistas pelo STF quando do seu julgamento. Agora, os contribuintes tendem a buscar o Judiciário não apenas para excluir tributo da base de tributo, mas também com o objetivo de excluir da base tributável as mais variadas receitas que, por algum motivo (regulatório, como no caso da interconexão/roaming, ou mesmo contratual, como no caso dos restaurantes) sejam repassadas a terceiros.
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Por Pedro de Mello Martins Teixeira, advogado do escritório BRZ Advogados nas áreas de Consultoria e Planejamento Tributário e mestrando em Contabilidade Tributária pela Fucape Business School.
Renata Guimarães, advogada do escritório BRZ Advogados nas áreas de Consultoria e Planejamento Tributário, pós-graduada em Direito Financeiro e Tributário pela Universidade Federal Fluminense e cursou o programa internacional “Transnational Commercial Law” na European Business School na Alemanha.
Revista Consultor Jurídico