Opinião: Zonas de processamento de exportações: de onde vem e para onde nos levarão?

Nascidas a partir da ideia de se promover nas regiões menos desenvolvidas a redução dos desequilíbrios, de fortalecer o balanço de pagamentos, assim como da ideia de promover a difusão tecnológica e o desenvolvimento econômico e social do país, as zonas de processamento de exportações são instrumentos consagrados há décadas em outras nações, a exemplo dos Estados Unidos e de diversos países asiáticos.

Se analisarmos bem, a China vivenciou um tipo de industrialização que se diferenciou da maioria dos processos ocorridos nos demais territórios do planeta. O desenvolvimento industrial chinês ocorreu ao longo do século 20 e foi regulado pela forte presença do Estado e uma das principais características desse processo foi a demarcação das Zonas Econômicas Especiais.

As ZEEs chinesas foram criadas pelo governo Deng Xiaoping (1982-1987), mantidas pelos governos ulteriores e consideradas como o principal marco da transição chinesa do comunismo (ou capitalismo de Estado, na visão de alguns especialistas) para o capitalismo de economia de mercado, consistem em áreas especificamente destinadas para o direcionamento da atividade industrial a partir do oferecimento de vantagens para atrair investimentos estrangeiros, sendo um dos seus principais objetivos alavancar a produção industrial da China, que se encontrava em crise desde a década de 1960, além de fortalecer o volume total de exportações [1].

Nas publicações do Banco Mundial[2], a ZPE é tratada como uma das espécies de um gênero maior, as Zonas Econômicas Especiais. A instituição apresenta a Zona Econômica Especial como um termo genérico que abarca as diversas variantes das zonas econômicas existentes atualmente pelo mundo.

Com o objetivo de promover nas regiões menos desenvolvidas a redução dos desequilíbrios, fortalecer o balanço de pagamentos, assim como da ideia de fomentar a difusão tecnológica e o desenvolvimento econômico e social do país, a ZPE brasileira é uma área de livre comércio com o exterior, destinada à instalação de empresas voltadas para a produção de bens a serem comercializados no exterior, sendo considerada zona primária para efeito de controle aduaneiro.

Caracterizadas como áreas industriais preponderantemente exportadoras sob controle alfandegado, no Brasil, o regime foi estabelecido originalmente por meio do Decreto-Lei no 2.452, de 29 de julho de 1981. A partir do processo de maior internacionalização da economia brasileira e de aprimoramento da legislação sobre o tema, um marco legal foi promulgado em 20 de julho de 2007.

A Aprovação dos modelos das ZPEs foi fomentada no Brasil em um contexto político e econômico marcado por: (i) a crise do “projeto nacional” de industrialização via modernização autoritária, que tinha como linha mestre o planejamento espacial via polo de desenvolvimento; (ii) os avanços de políticas e discursos neoliberais com implicações no desmonte sistemático do aparato do executivo federal, no abandono de uma orientação política de longo prazo voltada ao desenvolvimento industrial e de promoção do desenvolvimento regional; e (iii) o aprofundamento da guerra fiscal a partir dos anos 1990, quando os estados — unidades da federação (UF) — intensificaram sua postura competitiva visando atrair investimentos por meio de mecanismos ou instrumentos fiscais. [3]

Na época, o referido instrumento legal autorizou ao Poder Executivo a criar ZPE por meio de edição de decreto presidencial. Ademais, para traçar a orientação da política das ZPE, estabelecer requisitos, analisar propostas, dentre outras atividades, o normativo também criou o Conselho Nacional das Zonas de Processamento de Exportação (CZPE).

Em 2007, o citado Decreto-Lei foi revogado pela Lei nº 11.508/07, manteve a competência do conselho para definir os procedimentos, as normas e os parâmetros do programa. Para regulamentar a Lei nº 11.508/07, foram publicados os Decretos nº 9.993/2019, que regulamenta o CZPE, e o nº 6.814/2009, que dispõe sobre o regime tributário, cambial e administrativo das ZPE.

Quais os benefícios de operar em ZPE?

As empresas que se instalam em ZPE têm acesso a tratamentos tributário diferenciado em relação ao ICMS, por meio da concessão de isenção do ICMS nas importações e nas compras no mercado interno, regulada pelo Convênio ICMS nº 99/1998, além de poderem usufruir da suspensão de impostos e contribuições, tais como Imposto de Importação, IPI, PIS, Cofins, PIS-Importação e Cofins-Importação bem como o Adicional do Frete da Marinha Mercante tanto nas aquisições no mercado interno quanto nas importações de máquinas, aparelhos e instrumentos necessários para seu funcionamento, bem como gozarem de “liberdade cambial”, podendo manter no exterior, permanentemente, 100% das divisas obtidas nas suas exportações.

Insta frisar, que esses benefícios fiscais ainda se estendem às matérias-primas, os produtos intermediários e os materiais de embalagem serão importados ou adquiridos no mercado interno por empresa autorizada a operar em ZPE, desde que os referidos produtos sejam integralmente no processo produtivo da mercadoria final a ser exportado.

A legislação garante ainda que as importações e as exportações de empresa autorizada a operar em ZPE ficam dispensadas de licença ou de autorização de órgãos federais, com exceção dos controles de ordem sanitária, de interesse da segurança nacional e de proteção do meio ambiente, bem como será permitida, sob as condições previstas na legislação específica, a aplicação dos regimes aduaneiros suspensivos previstos em regulamento, os benefícios previstos para as áreas da Sudam, instituída pela Lei Complementar nº 124, de 3 de janeiro de 2007, da Sudene, instituída pela Lei Complementar nº 125, de 3 de janeiro de 2007 e da Superintendência do Desenvolvimento do Centro-Oeste (Sudeco), instituída pela Lei Complementar nº 129, de 8 de janeiro de 2009, previstos no art. 9º da Medida Provisória nº 2.159-70, de 24 de agosto de 2001 e os previstos na Lei nº 8.248, de 23 de outubro de 1991 e previstos nos arts. 17 a 26 da Lei nº 11.196, de 21 de novembro de 2005 (incentivo à inovação tecnológica).

Outra característica peculiar das Zonas Econômicas Especiais chinesas, agregadas à legislação brasileira, está relacionado à obrigatoriedade do investimento atrelado às indústrias que desejam se instalar em ZPEs devem ser na modalidade greenfield, associando-se a uma empresa local, em uma prática conhecida como joint venture.

Além do aumento da produção manufatureira, outro objetivo da ZPE é a diversificação do setor industrial, já que o Brasil apresenta tradicionalmente uma estrutura econômica bastante concentrada, especialmente em atividades intensivas em recursos naturais. Consequentemente, a complexidade econômica do país é relativamente baixa sob perspectiva global.

Ademais, as inovações trazidas como o novo marco das ZPEs, através da Lei 14.184/2021, garantiu uma segurança jurídica de longo prazo para realização de suas operações, haja vista que todos os benefícios supracitados são assegurados por um período de até 20 (vinte) anos, prorrogáveis por igual período no caso de investimentos de grande vulto que exijam longos prazos de amortização.

Por conseguinte, permitiu que empresas prestadoras de serviços vinculados à industrialização das mercadorias a serem exportadas possam ser beneficiária do regime instituído por esta Lei, desde que possua vínculo contratual com empresa industrial autorizada a operar em ZPE e projeto aprovado pelo CZPE.

Paralelamente aos incentivos concedidos pelo governo federal, no âmbito da Lei nº 11.508/2007, os governos estaduais e o Distrito Federal acordaram a concessão de incentivos tributários para os projetos industriais a serem implantados nas ZPE, conforme disposto no Convênio ICMS no 99, de 18 de setembro de 1998, do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz). [4]

Segundo este Convênio, as unidades da Federação signatárias encontram-se autorizadas a isentar do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços de Transporte Interestadual (ICMS) nas seguintes operações: saídas internas (operações dentro do mesmo Estado) destinadas aos estabelecimentos localizados em ZPE; entrada de mercadorias ou bens importados do exterior; prestação do serviço de transporte de mercadorias ou bens entre as ZPE e os locais de embarque/desembarque; e aquisições interestaduais de bens destinados ao ativo imobilizado e a prestação de serviço de transporte de tais bens, no que diz respeito ao diferencial da alíquota.

A abrangência desse Convênio engloba o Distrito Federal e os seguintes estados: Acre, Bahia, Ceará, Mato Grosso, Maranhão, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Pará, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul, Rondônia, Roraima, Santa Catarina, Sergipe e Tocantins.

Em decorrência das disposições do parágrafo 5º, do artigo 18 da Lei no 11.508/2017 os incentivos tributários específicos do regime brasileiro de ZPE, tal como anteriormente apresentados, aplicam-se também às aquisições de mercadorias realizadas entre empresas autorizadas a operar em ZPE.

Tal fato, por conseguinte, traduz-se em medida de estímulo ao encadeamento produtivo para projetos industriais em ZPE, que resultarão em maior competitividade para realização de novos estágios de processamento local da produção destinada ao mercado externo.

Patente, pois, que a contribuição da ZPE com o desenvolvimento econômico do Brasil está diretamente relacionada com a sua capacidade de adicionar valor aos insumos adquiridos para produzir os bens exportados: quanto maior o valor adicionado, maior a capacidade de contribuição. Por isso, é fundamental a análise do valor adicionado pela indústria de transformação (Valor da Transformação Industrial — VTI) — indicador amplamente utilizado para mensurar a capacidade produtiva e também calculado pelo IBGE pela Pesquisa Industrial Anual (PIAEmpresa) [5].

Exatamente por isso, no apagar das luzes da aprovação da 1ª fase da reforma tributária na câmara, restou estabelecido que as leis que vão instituir os novos tributos como a Contribuição sobre Bens e serviços (CBS) que será administrada pela União, e o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), que será administrado em comitê conjunto, que vão substituir os atuais Confins, PIS, ICMS e ISS , devem garantir às Áreas de Livre Comércio existentes em 31 de maio de 2023, os níveis estabelecidos pela legislação relativa aos tributos extintos. Além disso, outro ponto do texto aprovado estipula que uma Lei Complementar disporá sobre as hipóteses de diferimento do imposto aplicáveis aos regimes aduaneiros especiais e às zonas de processamento de exportação.

Uma outra dimensão relevante para diversificação é a análise dos mercados de destino das exportações: o fato de uma economia exportar para uma gama maior de países não só reduz a sua vulnerabilidade a choques externos e aumenta sua resiliência, como também é um sinal de sua capacidade competitiva em mercados internacionais

Não à toa que, atualmente o Brasil possui quatorze Zonas de Processamento de Exportação autorizadas e encontram-se em efetiva implantação: Acre (AC), ZPE do Açú (RJ), Araguaína (TO), Bataguassú (MS), Boa Vista (RR), Cáceres (MT), Ilhéus (BA), Imbituba (SC), Macaíba (RN), Parnaíba (PI), Pecém (CE), Suape (PE), Teófilo Otoni (MG) e ZPE de Uberaba (MG)[6], exatamente em regiões que precisam do atrativo para desenvolvimento econômico.

Leading case: o que aprendemos com a ZPE de Pecém

Passemos a analisar, então, a primeira Free Trade Zone a entrar em operação no Brasil, fica no Ceará, e opera em parceria com um dos maiores portos do mundo, o Porto de Roterdã, na Holanda.

A avaliação de impacto da ZPE de Pecém[7], divulgada recentemente, nos leva à conclusão de que a referida zona de livre comércio pode servir sim com uma função de redução de desequilíbrio econômico.

Observando o VTI anual em São Gonçalo do Amarante (SGA), onde está localizada a ZPE de Pecém, ampliou-se em R$ 2,4 bilhões entre 2015 e 2018[8], após a ZPE ter iniciado as suas operações. Esse crescimento representou aproximadamente 65% do crescimento total do VTI do estado do Ceará, que foi de R$ 3,8 bilhões no mesmo período.

E mais, os dados da análise de impacto mostram que, antes da criação da ZPE, a contribuição de SGA para o valor adicionado do setor industrial no Estado do Ceará era ínfima, enquanto só a cidade de Fortaleza representava mais de um quarto do VTI total.

Após a ZPE ter iniciado as suas operações, a participação de SGA pulou rapidamente de 1% para 14%, em 2018, enquanto a parcela de Fortaleza caiu para 20%. O fato de a participação do município de Caucaia ter permanecido por volta de 5% ao longo desse tempo sugere que esses ganhos podem ser largamente atribuídos à ZPE e não a uma expansão geral do Complexo Industrial do Porto de Pecém.

Outro ponto importante na ZPE do Ceará é o fomento à indústria verde, isso porque em termos absolutos, as emissões industriais de CO2 do Ceará giravam em torno de 1 milhão de toneladas até 2015, passando para o patamar de quase 5,2 milhões de toneladas em 2018, sendo a produção de aço da ZPE do Ceará a responsável por quase todo esse valor. O Ceará gerava emissões industriais similares a outros estados do Nordeste, como Bahia ou Paraíba, mas esse quadro mudou expressivamente após o estabelecimento da ZPE.

Inclusive, o governo do estado do Ceará anunciou recentemente, na vanguarda do desenvolvimento nordestino, o projeto do Hub de Hidrogênio Verde, que será implantado no Complexo do Pecém. O hub visa o desenvolvimento e a utilização de energias renováveis.

Até o momento, o estado já assinou cerca de 30 memorandos de entendimento com empresas interessadas na produção de hidrogênio verde. E sabe-se que outras empresas avançaram para pré-contratos e já possuem áreas reservadas na Zona de Processamento de Exportação do Ceará, inclusive, estima-se que o investimento total desses projetos seja de US$ 8 bilhões. [9]

O referido estudo ainda mostrou que houve aumento das condições de vida no estado do Ceará (refletidas pelo PIB per capita) e redução da concentração regional das atividades industriais no Brasil em termos de valor agregado manufatureiro, exportações e emprego.

A análise dos níveis de PIB per capita do estado do Ceará e de municípios selecionados demonstra o padrão diferenciado que SGA apresenta dentro do estado. Como resultado dos salários médios bem mais altos [10] o PIB per capita do município aumentou mais de dez vezes, de menos de R$ 6.000, em 2008 — abaixo da média estadual — para quase R$ 64 mil, em 2017. Também restou evidente que a tendência de crescimento começou antes da ZPE entrar em operação, uma vez que a fase de construção e instalação da ZPE já surtiu efeitos significativos na renda local. Finalmente, restou visível que o aumento do PIB per capita entre 2015 e 2019 não foi testemunhado em outros municípios, como Fortaleza e Caucaia, apontando para o efeito especial que a ZPE tem desempenhado em SGA.

A análise comparativa dinâmica com outros estados do Brasil identifica o Ceará como um estado “emergente” em termos de desempenho do PIB per capita. Embora o patamar ainda esteja significativamente abaixo da média nacional, a taxa de crescimento tem sido superior[11], apontando para o fato de que a expansão da ZPE já se mostra como um catalisador econômico no Estado, servindo de exemplo para tantos outros Estados que buscam o famigerado desenvolvimento.


[1] https://mundoeducacao.uol.com.br/geografia/zonas-economicas-especiais-zees-china.htm

[2] FIAS, 2008. “Special Economic Zones: Performance, Lessons Learned and Implication for Zone Development” (Washington, DC: World Bank).

[3] AMPARO, P. P. Os desafios a uma política nacional de desenvolvimento regional no Brasil. Interações, Campo Grande, v. 15, n. 1, p. 175-192, jan./jun. 2014. doi: https:// doi.org/10.1590/S1518-70122014000100016.

[4] https://www.confaz.fazenda.gov.br/legislacao/convenios/1999

[5]Grosso modo, esse indicador é calculado pela diferença entre o valor de produção anual da indústria de transformação e o valor do consumo intermediário (insumos) utilizado na produção.

[6] https://www.fazcomex.com.br/comex/zpe-o-que-e/

[7]Avaliação de impacto: a ZPE do Ceará. https://www.gov.br/produtividade-e-comercio-exterior/pt-br/assuntos/zpe/publicacao_avaliacao-de-impacto-da-zpe-ceara_versao-publica-1.pdf

[8] Fonte: IBGE.

[9]Hub de Hidrogênio Verde: Governo do Ceará e Países Baixos firmam parceria para impulsionar produção e exportação. Disponível aqui. Acesso em 14 de mai 2023.

[10] Dados analisados na seção 3.1.5 do relatório de impacto ZPE Ceará.

[11]Figura 49 do relatório de impacto ZPE Ceará.

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Por Anna Dolores Barros de Oliveira Sá Malta, conselheira da 3ª seção de julgamentos do Carf. Professora universitária dos cursos de graduação em Direito Tributário, Aduaneiro e Regulatório. LLM em Direito Aduaneiro pela Erasmus University Rotterdam (HOL). Mestre em Direito Público e MBA em Gestão Jurídica Aduaneira e Tributação Internacional pela Abracomex/Massachusetts Institute of Business. Formação em Mediação e Arbitragem pela FGV. Pesquisadora do Núcleo de Pesquisa em Direito Tributário Aduaneiro CNPq/UFMG. Atualmente é membro colaboradora da Comissão de Direito Aduaneiro e Comércio Exterior da OAB/PE, seccional Recife, e presidente da Associação Pernambucana de Direito Aduaneiro e Fomento ao Comércio Exterior. Advogada licenciada.

Revista Consultor Jurídico