Por Jefferson Souza
A discussão sobre a base de cálculo do ISS nos serviços de construção civil tomou novos rumos recentemente, após decisões do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que reorientaram a jurisprudência sobre o assunto. A controvérsia girava em torno da possibilidade de deduzir, da base de cálculo do ISS, os materiais utilizados na execução das obras. Neste breve artigo analisarei em breve resumo as nuances dessas decisões, seus fundamentos jurídicos e os impactos práticos para municípios e contribuintes.
A Lei Complementar nº 116/2003, que regula o ISS, dispõe em seu artigo 7º, §2º, I, que não integram a base de cálculo do imposto “os valores dos materiais fornecidos pelo prestador dos serviços descritos nos itens 7.02 e 7.05 da lista de serviços anexa”. Esses itens referem-se à “execução, por administração, empreitada ou subempreitada, de obras de construção civil” e à “reparação, conservação e reforma de edifícios”, respectivamente.
Historicamente, o STJ entendia que todos os materiais utilizados na construção civil poderiam ser excluídos da base de cálculo do ISS, independentemente de estarem sujeitos ao Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). Essa posição prevaleceu até 2010, quando o Supremo Tribunal Federal (STF), ao apreciar o Recurso Extraordinário nº 603.497/MG, reconheceu a repercussão geral da matéria, trazendo novos elementos à discussão.
No julgamento do mérito do RE nº 603.497/MG, concluído em 2020, o STF decidiu que o artigo 9º, §2º, “a”, do Decreto-Lei nº 406/1968 foi recepcionado pela Constituição Federal de 1988.Esse dispositivo permitia a dedução, na base de cálculo do ISS, dos materiais fornecidos pelo prestador. Contudo, o STF também afirmou que a interpretação sobre o alcance da expressão “materiais fornecidos pelo prestador” competia ao STJ.
Com a devolução da matéria ao STJ, houve uma mudança significativa na jurisprudência. A partir de 2023, as Turmas de Direito Público do STJ passaram a entender que somente os materiais produzidos pelo prestador fora do local da obra, que sejam objeto de incidência do ICMS, podem ser excluídos da base de cálculo do ISS. Materiais adquiridos de terceiros ou produzidos no local da obra não poderiam mais ser deduzidos.
A nova orientação do STJ baseia-se na distinção entre “materiais fornecidos pelo prestador” e “mercadorias”. Segundo essa interpretação, apenas os materiais que configuram operações mercantis, sujeitas ao ICMS, podem ser excluídos da base de cálculo do ISS. Dessa forma, quando o prestador fabrica os materiais fora do local da prestação e os vende ao contratante, ocorre a incidência de ICMS, permitindo assim a dedução.
Por outro lado, materiais adquiridos de terceiros ou produzidos no local da obra não caracterizariam operações mercantis promovidas pelo prestador. Nessas situações, esses materiais seriam classificados como insumos da prestação de serviço e, portanto, incluídos na base de cálculo do ISS.
Essa mudança jurisprudencial vem sendo debatido por parte de contribuintes e juristas. Alguns defendem que a interpretação restritiva fere o princípio da legalidade, ao ignorar a literalidade do artigo 7º, §2º, I, da LC nº 116/2003, que não diferencia a origem dos materiais. Além disso, a diferenciação entre “materiais” e “mercadorias” pode gerar insegurança jurídica, uma vez que não há clareza conceitual suficiente para orientar a conduta dos contribuintes.
Outro ponto de controvérsia, há ainda uma discussão de fundo se o STJ não estaria se colocando em situação que viole princípio da separação dos poderes. Ao restringir a aplicação de uma norma legal por meio de interpretação jurisprudencial, o Judiciário, no caso o STJ, estaria extrapolando suas funções, invadindo a competência do Legislativo.
Para os municípios, a mudança é vantajosa, pois a possível ampliação da base de cálculo do ISS leva ao aumento da arrecadação. No entanto, é fundamental que os municípios revisem suas legislações e regulamentações para adequar-se ao novo entendimento. Cidades que reproduzem em suas leis o texto da LC nº 116/2003 precisam reavaliar a interpretação conferida à norma. Já aqueles municípios cujas leis previam expressamente a dedução ampla dos materiais deverão promover alterações legislativas para evitar conflitos e questionamentos judiciais.
Por outro lado, para as empresas de construção civil, a decisão resulta em um aumento da carga tributária, uma vez que não poderão mais deduzir da base de cálculo do ISS os materiais comprados de terceiros ou produzidos no próprio canteiro de obras. Esse acréscimo nos custos pode afetar a competitividade do setor e ser repassado ao preço final das obras, impactando também os consumidores.
Ademais, a necessidade de distinguir quais materiais podem ou não ser deduzidos traz complexidade operacional e aumenta os riscos de autuações fiscais. Assim, as empresas deverão aprimorar seus controles internos e buscar orientação especializada para garantir o melhor cumprimento das obrigações tributárias diante desse novo cenário.