Introdução
A crescente preocupação global com as mudanças climáticas e a necessidade de reduzir as emissões de gases de efeito estufa (GEE) impulsionaram diversos países a adotarem políticas ambientais mais rigorosas. No Brasil, essa preocupação culminou na criação da Política Nacional de Biocombustíveis, conhecida como RenovaBio, instituída pela Lei nº 13.576, de 26 de dezembro de 2017. O RenovaBio tem como objetivo principal promover a expansão dos biocombustíveis na matriz energética nacional, contribuindo para o cumprimento dos compromissos assumidos pelo país no Acordo de Paris.
Uma das inovações introduzidas pelo RenovaBio foi a criação dos Créditos de Descarbonização, ou CBIOs. Esses créditos representam uma tonelada de dióxido de carbono equivalente (tCO₂e) que deixou de ser emitida devido ao uso de biocombustíveis em substituição aos combustíveis fósseis. Os CBIOs são emitidos por produtores e importadores de biocombustíveis certificados, proporcionalmente à quantidade de GEE evitada pela comercialização de seus produtos. Posteriormente, esses créditos são negociados no mercado financeiro, permitindo que distribuidores de combustíveis adquiram os CBIOs necessários para cumprir suas metas individuais de descarbonização estabelecidas pelo RenovaBio.
A introdução dos CBIOs no mercado brasileiro trouxe à tona diversas discussões, inclusive no âmbito tributário. A principal questão reside na definição da natureza jurídica desses créditos e na consequente determinação do regime tributário aplicável, especialmente no que tange às contribuições para o PIS e a COFINS.
A natureza jurídica dos CBIOs
Os CBIOs são definidos como créditos proporcionais à quantidade de gases de efeito estufa (GEE) evitados pela produção ou importação de biocombustíveis, sendo emitidos e comercializados em plataformas financeiras como a B3. Diferentemente de commodities físicas, os CBIOs possuem caráter incorpóreo, o que os distingue também de títulos de crédito tradicionais, valores mobiliários e contratos derivativos, conforme estabelecido na Lei nº 6.385/1976 e as normas do Comitê de Pronunciamentos Contábeis (CPC 39).
Além disso, resoluções do Banco Central e da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) reforçam a classificação dos CBIOs como ativos financeiros. A Resolução CVM nº 175/2022 reconhece explicitamente os CBIOs como instrumentos financeiros, facilitando sua negociação no mercado de capitais. Esse entendimento foi corroborado recentemente por decisão judicial, na Apelação Cível nº 5028277-80.2022.4.03.6100, que classificou os CBIOs como receitas financeiras.
Implicações tributárias
A tributação das receitas oriundas de CBIOs varia conforme o regime de apuração do PIS e Cofins. No regime não cumulativo, as receitas financeiras são tributadas a alíquotas reduzidas de 0,65% para PIS e 4% para Cofins, conforme o Decreto nº 8.426/2015. Essa tributação digamos “mais favorável” aplica-se quando os CBIOs são negociados como ativos financeiros no mercado, distanciando-se das receitas operacionais típicas das empresas produtoras de biocombustíveis.
A decisão do TRF-3 foi emblemática nesse sentido ao distinguir receitas financeiras das receitas brutas, uma interpretação que incentiva práticas sustentáveis ao reduzir o impacto fiscal sobre empresas participantes do mercado de CBIOs. Além disso, a natureza financeira dos CBIOs exclui sua incidência de tributos como Funrural e Senar, quando comercializados fora do contexto produtivo.
Divergências
A caracterização dos CBIOs como ativos financeiros não é ainda consolidada. Enquanto normas contábeis e regulatórias sustentam essa classificação, a Receita Federal defende historicamente a incidência de PIS e Cofins com base na receita bruta, especialmente quando os CBIOs são gerados pela atividade-fim das empresas. Essa divergência tem gerado insegurança jurídica e levado empresas a buscarem o Judiciário para assegurar o tratamento tributário adequado.
A reforma tributária em curso pode trazer novos desafios à tributação dos CBIOs já que haverá substituição de tributos atuais por novos modelos, como a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS). Mesmo essa substituição, considerando o cenário legislativo atual, não irá minimizar as divergências ainda não reguladas.
Esse cenário reforça a necessidade de clareza legislativa do rpoximo modelo tributário para evitar aumento da carga tributária e promover o uso de biocombustíveis como estratégia de descarbonização. Com uma possível alíquota original bem maior (em torno de 27,5%) em face da permissão de créditos mais amplos, as empresas terão possivelmente um desafio de elencar os créditos vinculados a este instrumento financeiro. Uma solução plausível seria também é possível reconhecer, dentro da reforma tributaria, os benefícios desse instrumento e oferecer aos contribuintes alguma redução de alíquota ou isenção.
Conclusão
Assim, os CBIOs, por sua natureza jurídica e função ambiental, representam uma inovação no mercado financeiro brasileiro e uma importante ferramenta de política climática. Sua classificação como ativo financeiro pelo Judiciário e por normas regulatórias oferece vantagens tributárias, mas ainda enfrenta resistência e interpretação diversa por parte de órgãos fiscais. A uniformização do entendimento sobre sua natureza e tributação é essencial para garantir segurança jurídica aos agentes do mercado e incentivar práticas sustentáveis tanto no modelo atual quanto o novo que será implantado após a reforma tributaria.
Em conclusão, a análise desse debate sugere que o tratamento tributário dos CBIOs deve considerar não apenas sua origem na atividade produtiva, mas também sua negociação em mercados financeiros, de forma a respeitar os princípios constitucionais de proteção ao meio ambiente e eficiência tributária. A continuidade dos debates sobre o tema, tanto no âmbito judicial quanto legislativo, será fundamental para consolidar um regime fiscal coerente com os objetivos climáticos do Brasil. A acompanhar.