PIS COFINS Insumos – Tema 779 – Subversão da tese firmada

Por Robson Neves

Analisando um caso hipotético em que o contribuinte tem valores expressivos de comissão de vendas. O crédito de PIS COFINS sobre comissão de vendas sempre foi algo polêmico. Temos a COSIT 14/2024 onde a Receita Federal nega o crédito.

Análise

Introito:

Esta orientação não se presta a verificar a exatidão dos fatos apresentados pelo interessado, uma vez que se limita a apresentar a interpretação da legislação tributária conferida a tais fatos, partindo da premissa de que há conformidade entre os fatos narrados e a realidade factual.

Nesse sentido, não convalida nem invalida quaisquer informações, interpretações, ações ou classificações fiscais procedidas pela Consulente e não gera qualquer efeito caso se constate, a qualquer tempo, que não foram descritos, adequadamente, os fatos, aos quais, em tese, se aplica a orientação.

1 – LEI

As Leis 10833/2003 e 10637/2002 tratam, sobretudo, das hipóteses de créditos do PIS/COFINS. Vejamos o artigo 3º da primeira:

Art. 3o Do valor apurado na forma do art. 2o a pessoa jurídica poderá descontar créditos calculados em relação a:

II – bens e serviços, utilizados como insumo na prestação de serviços e na produção ou fabricação de bens ou produtos destinados à venda, inclusive combustíveis e lubrificantes, exceto em relação ao pagamento de que trata o art. 2o da Lei no 10.485, de 3 de julho de 2002, devido pelo fabricante ou importador, ao concessionário, pela intermediação ou entrega dos veículos classificados nas posições 87.03 e 87.04 da Tipi;

2 – JURISPRUDÊNICIA ADMINISTRATIVA E JUDICIAL

A fim de afastar a interpretação restritiva do fisco, o contribuinte lutou e conseguiu levar para o STJ a discussão, o que gerou a tese firmada em sede de recursos repetitivos, ou seja, aplicáveis para todos os casos nos juízos de primeira e segunda instâncias.

O caso repetitivo foi registrado como Tema 779 – RESP 1221170/PR – Julgado em 21/11/2018:

Tese firmada:

  • é ilegal a disciplina de creditamento prevista nas Instruções Normativas da SRF ns. 247/2002 e 404/2004, porquanto compromete a eficácia do sistema de não-cumulatividade da contribuição ao PIS e da COFINS, tal como definido nas Leis 10.637/2002 e 10.833/2003; e (b) o conceito de insumo deve ser aferido à luz dos critérios de essencialidade ou relevância, ou seja, considerando-se a imprescindibilidade ou a importância de determinado item – bem ou serviço – para o desenvolvimento da atividade econômica desempenhada pelo Contribuinte.

Ementa do RESP 1221170/PR

TRIBUTÁRIO. PIS E COFINS. CONTRIBUIÇÕES SOCIAIS. NÃO-CUMULATIVIDADE. CREDITAMENTO. CONCEITO DE INSUMOS. DEFINIÇÃO ADMINISTRATIVA PELAS INSTRUÇÕES NORMATIVAS 247/2002 E 404/2004, DA SRF, QUE TRADUZ PROPÓSITO RESTRITIVO E DESVIRTUADOR DO SEU ALCANCE LEGAL. DESCABIMENTO. DEFINIÇÃO DO CONCEITO DE INSUMOS À LUZ DOS CRITÉRIOS DA ESSENCIALIDADE OU RELEVÂNCIA. RECURSO ESPECIAL DA CONTRIBUINTE PARCIALMENTE CONHECIDO, E, NESTA EXTENSÃO, PARCIALMENTE PROVIDO, SOB O RITO DO ART. 543-C DO CPC/1973 (ARTS. 1.036 E SEGUINTES DO CPC/2015).

  1. Para efeito do creditamento relativo às contribuições denominadas PIS e COFINS, a definição restritiva da compreensão de insumo, proposta na IN 247/2002 e na IN 404/2004, ambas da SRF, efetivamente desrespeita o comando contido no art. 3o., II, da Lei 10.637/2002 e da Lei 10.833/2003, que contém rol exemplificativo.
  2. O conceito de insumo deve ser aferido à luz dos critérios da essencialidade ou relevância, vale dizer, considerando-se a imprescindibilidade ou a importância de determinado item – bem ou serviço – para o desenvolvimento da atividade econômica desempenhada pelo contribuinte.
  3. Recurso Especial representativo da controvérsia parcialmente conhecido e, nesta extensão, parcialmente provido, para determinar o retorno dos autos à instância de origem, a fim de que se aprecie, em cotejo com o objeto social da empresa, a possibilidade de dedução dos créditos relativos a custo e despesas com: água, combustíveis e lubrificantes, materiais e exames Documento: 1350777 – Inteiro Teor do Acórdão – Site certificado – DJe: 24/04/2018 Página 1 de 18 laboratoriais, materiais de limpeza e equipamentos de proteção individual-EPI.
  4. Sob o rito do art. 543-C do CPC/1973 (arts. 1.036 e seguintes do CPC/2015), assentam-se as seguintes teses: (a) é ilegal a disciplina de creditamento prevista nas Instruções Normativas da SRF ns. 247/2002 e 404/2004, porquanto compromete a eficácia do sistema de não-cumulatividade da contribuição ao PIS e da COFINS, tal como definido nas Leis 10.637/2002 e 10.833/2003; e (b) o conceito de insumo deve ser aferido à luz dos critérios de essencialidade ou relevância, ou seja, considerando-se a imprescindibilidade ou a importância de terminado item – bem ou serviço – para o desenvolvimento da atividade econômica desempenhada pelo Contribuinte.

(Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, por maioria, após o realinhamento feito, conhecer parcialmente do Recurso Especial e, nessa parte, dar-lhe parcial provimento, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator, que lavrará o ACÓRDÃO. Votaram vencidos os Srs. Ministros Og Fernandes, Benedito Gonçalves e Sérgio Kukina. O Sr. Ministro Mauro Campbell Marques, Assusete Magalhães (voto-vista), Regina Helena Costa e Gurgel de Faria (que se declarou habilitado a votar) votaram com o Sr. Ministro Relator. Não participou do julgamento o Sr. Ministro Francisco Falcão. Brasília/DF, 22 de fevereiro de 2018 (Data do Julgamento).) NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO MINISTRO RELATOR

Inteiro teor – IMPORTANTE

Em 2018, o E. STJ firmou tese no tema 779 delimitando o como deve ser interpretado o conceito de insumo para fins da legislação do PIS/COFINS.

Porém, infelizmente esse entendimento não tem sido respeitado à risca, nem mesmo pelo próprio STJ. Para isso, é sempre importante retomar o inteiro teor do acórdão para poder compreender o que motivou a tese firmada.

Na referida tese, se discutiu o alcance do conceito de insumos para fins do sistema de créditos da legislação do PIS/COFINS.

O debate travado discutia se deveria prevalecer o conceito mais restrito da Receita Federal, idêntico ao aplicado ao IPI, ou o mais expansivo, aplicado ao IRPJ. À época foram objeto das discussões as Instruções Normativas da SRF ns. 247/2002 e 404/2004.

Naquele momento, havia três correntes teóricas aplicadas pelos julgadores, conforme transcrito pela ministra Regina Helena Costa:

É importante registrar que, no plano dogmático, três linhas de entendimento são identificáveis nos votos já manifestados, quais sejam:

  1. orientação restrita, manifestada pelo Ministro Og Fernandes e defendida pela Fazenda Nacional, adotando como parâmetro a tributação baseada nos créditos físicos do IPI, isto é, a aquisição de bens que entrem em contato físico com o produto, reputando legais, via de consequência, as Instruções Normativas da SRF ns. 247/2002 e 404/2004;
  2. orientação intermediária, acolhida pelos Ministros Mauro Campbell Marques e Benedito Gonçalves, consistente em examinar, casuisticamente, se há emprego direto ou indireto no processo produtivo (“teste de subtração”), prestigiando a avaliação dos critérios da essencialidade e da pertinência. Tem por corolário o reconhecimento da ilegalidade das mencionadas instruções normativas, porquanto extrapolaram as disposições das Leis ns. 10.637/2002 e 10.833/2003; e
  3. orientação ampliada, protagonizada pelo Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Relator, cujas bases assenhoreiam-se do conceito de insumo da legislação do IRPJ. Igualmente, tem por consectário o reconhecimento da ilegalidade das instruções normativas, mostrando-se, por esses aspectos, a mais favorável ao contribuinte.

A segunda tese prevaleceu. Vejamos alguns trechos que corroboram para uma correta compreensão da tese firmada pela E. Corte:

(…)

Note-se que o Relator diz para a atividade econômica da empresa, no conceito de insumo, todos os bens e serviços que sejam pertinentes ao processo produtivo ou que viabilizem o processo produtivo, de forma que, se retirados, impossibilitariam ou, ao menos, diminuiriam o resultado final do produto.

A exemplo do material de limpeza, disse o ministro.

Segue ele dizendo:

Em resumo, Senhores Ministros, a adequada compreensão de insumo, para efeito do creditamento relativo às contribuições usualmente denominadas PIS/COFINS, deve compreender todas as despesas diretas e indiretas do contribuinte, abrangendo, portanto, as que se referem à totalidade dos insumos, não sendo possível, no nível da produção, separar o que é essencial (por ser físico, por exemplo), do que seria acidental, em termos de produto final.

Ainda, no voto cita, a passagem de Aliomar Baleeiro, portanto, faz parte do acórdão, logo, da decisão, sendo, vinculante como norte para compreensão do que foi definido:

Aliomar Baleeiro doutrina que insumo é “uma algaravia de origem espanhola, inexistente em português, empregada por alguns economistas para traduzir a expressão inglesa input, isto é, o conjunto de fatores produtivos, como matérias-primas, energia, trabalho, amortização do capital etc., empregados pelo empresário para produzir o output, ou o produto final” (Direito Tributário Brasileiro, 11ª ed, Rio de Janeiro: Forense, 2005. Pp. 405-406, destaques do original).

Vê-se que a tese firmada encampou a tese intermediária, citada pela ministra Regina:

ii) orientação intermediária, acolhida pelos Ministros Mauro Campbell Marques e Benedito Gonçalves, consistente em examinar, casuisticamente, se há emprego direto ou indireto no processo produtivo (“teste de subtração”), prestigiando a avaliação dos critérios da essencialidade e da pertinência. Tem por corolário o reconhecimento da ilegalidade das mencionadas instruções normativas, porquanto extrapolaram as disposições das Leis ns. 10.637/2002 e 10.833/2003; e

Logo, o conceito de insumos não pode se restringir apenas àqueles conceitos de IPI, por exemplo, de que seria necessário que ele fosse consumido no processo produtivo ou aderido ao produto.

Há que se analisar a pertinência no processo produtivo, direta ou indiretamente, e correlacionando com o objeto da atividade empresarial.

E a subtração não precisa ser absoluta, mas qualitativa, conjunto de fatores produtivo.

Retomemos os conceitos da Ministra Regina Helena, parte do fundamento do voto relator:

Demarcadas tais premissas, tem-se que o critério da essencialidade diz com o item do qual dependa, intrínseca e fundamentalmente, o produto ou o serviço, constituindo elemento estrutural e inseparável do processo produtivo ou da execução do serviço, ou, quando menos, a sua falta lhes prive de qualidade, quantidade e/ou suficiência

Por sua vez, a relevância, considerada como critério definidor de insumo, é identificável no item cuja finalidade, embora não indispensável à elaboração do próprio produto ou à prestação do serviço, integre o processo de produção, seja pelas singularidades de cada cadeia produtiva (v.g., o papel da água na fabricação de fogos de artifício difere daquele desempenhado na agroindústria), seja por imposição legal (v.g., equipamento de proteção individual – EPI), distanciando-se, nessa medida, da acepção de pertinência, caracterizada, nos termos propostos, pelo emprego da aquisição na produção ou na execução do serviço.

Diante do exposto, é possível afirmar, que produto final, output, o processo produtivo não seja apenas o item em si mesmo, mas o que ele representa enquanto entrega de valor, enquanto processo do produto, enquanto objeto da atividade empresarial.

A essencialidade e relevância que se extrai do relatório que fundamenta e explica a tese deve considerar (1) o processo produtivo (2) a atividade empresarial, a (iii) a importância direta ou indireta, incluindo nessa análise sua relevância para a qualidade, quantidade e/ou suficiência

Como no exemplo utilizado no julgamento, o produto de limpeza não adere à um pão, portanto não seriam insumo diretos, mas o acaba sendo indireto, pois, necessário à manutenção da higiene, onerando a produção das padarias.

O relator deixou, ao longo de seu voto, bem explícito que o conceito tem que ser visto sob o olhar da empresa como um todo, uma visão mais moderna de empresa, em detrimento de uma visão industrial restrita do início do século passado (o que ainda paira na cabeça de alguns).

Jurisprudência Judicial – Negativa da tese firmada

Infelizmente, apesar de todo voto que fundamentou a Tese 779, ainda vemos decisões do STJ interpretando restritivamente o conceito de insumo, subvertendo a tese firmada.

É o caso do EDcl no RECURSO ESPECIAL Nº 1.810.630 – PR (2019/0114534-0) quem se afastou as despesas financeiras como conceito de insumo.

Destacamos uma parte do voto que demonstra esse pensamento:

O inciso II do art. 3º das Leis 10.637, de 2002, e 10.833, de 2003, por seu turno, permite o desconto de créditos calculados em relação a bens e serviços, utilizados como insumo na prestação de serviços e na produção ou fabricação de bens ou produtos destinados à venda, inclusive combustíveis e lubrificantes. Isso significa dizer que insumos, no sentido restrito das referidas leis, são somente aqueles bens ou serviços empregados fisicamente “na prestação de serviços e na produção ou fabricação de bens ou produtos destinados à venda”, e não todas as despesas necessárias à consecução das suas atividades ou que sejam utilizadas para a geração de suas receitas, como defende a impetrante. No caso de despesas, as Leis 10.637, de 2002, e 10.833, de 2003, arrolam taxativamente, nos incisos IV a X de seu art. 3º, aquelas dedutíveis da base de cálculo, e entre elas não se encontram as despesas financeiras.

Também encontremos, especificamente sobre comissões de representantes comerciais, as decisões AREsp 2634822 e REsp 1352067.

No TRF4 que envolver RS, SC e PR, encontramos somente contrários TRF4, AC 5001245-59.2022.4.04.7107; TRF4, AC 5003197-88.2022.4.04.7005; 5004306-26.2020.4.04.7000.

Apesar disso, vemos uma aplicação e visão errônea dos termos do julgamento do Tema 779.

Esse tipo de decisão gera insegurança jurídica, pois, torna a restringir o conceito amplamente debatido e definito pela Primeira Seção e que deveria ser respeitado pela Turma.

Jurisprudência Administrativa

O CARF tem demonstrado um pouco mais de aceitação no reconhecimento da comissão como insumo de algumas atividades.

Destaca-se, nos casos analisados, que ela tem sido aceita quando se trata de prestação de serviços.

Conforme notícia do Conjur, a jurisprudência atual do Carf (Conselho Administrativo de Recursos Fiscais) vem se posicionando no sentido de analisar casuisticamente os pedidos sobre a caracterização de despesas com comissões como insumos, tendo como base o setor econômico do contribuinte e a necessidade do representante comercial para o exercício das suas atividades.

Assim, a Turma Extraordinária da 3ª Seção, no âmbito do acórdão 3001-000.757, de 21 de fevereiro de 2019, julgou recurso voluntário de uma grande rede hoteleira que pleiteava o creditamento de PIS e Cofins com insumos sobre despesas com comissões pagas a agências de viagens. Segundo o acórdão, ficou caracterizada a essencialidade da despesa com as comissões pagas às agências, pois “esses valores pagos pela rede hoteleira estão umbilicalmente ligados às suas atividades”.

No mesmo sentido, o Carf também admitiu, através do Acórdão 9303007.291que uma empresa exportadora de café tomasse créditos de PIS e Cofins sobre despesas de corretagem pagas aos representantes contratados. Na oportunidade, a 3ª Turma analisou que “nesse mercado, o negócio sem a corretagem seria o mesmo que realizar a operação de compra e venda de insumos sem a participação de interveniente responsável pelo frete do insumo até o estabelecimento do comprador: possível, mas economicamente incerta. […] Se há necessidade de operação eficaz na atividade, a atuação dos corretores passa a ser essencial, sob pena de haver demora ou dificuldades tais que inviabilizem a operação economicamente falando”.

E ainda, o Acórdão 3302-006.526, proferido em 30 de janeiro de 2019 pela 2ª Turma da 3ª Câmara da 3ª Seção, entendeu que os custos com comissões pagas sobre as vendas de consórcios caracterizavam-se como insumos, na medida em que, “para desempenho de suas funções de prestadora de serviços de gestão de consórcios, a Recorrente, por imposição legal, deve realizar as atividades de reunir um número de pessoas interessadas na aquisição de determinados bens para formação de grupo, atividade esta que, senão realizada por representantes conveniados à Recorrente dificilmente se concretizará”.

Nesse contexto, é importante sempre analisar a atividade da empresa, bem como a capacidade de comprovar que o serviço é essencial e relevante para a consecução do processo produtivo, seja, inclusive, de forma qualitativa.

3 – CONCLUSÃO

Concluímos a partir do estudo realizado, que segundo a tese firmada pelo E. STJ, seria possível sustentar que a comissão de representante comercial configura insumo, ainda que indireto, para a atividade empresarial, para a consecução do fim da empresa.

Apesar disso, o contribuinte ainda tem que continuar lutando para que esse entendimento seja consolidado em âmbito judicial.

Já no âmbito do CARF, as chances são maiores.

Assim, sempre será necessário analisar a atividade da empresa tanto do ponto de vista burocrático (CNPJ, Contrato Social), como também do segmento, da realidade, do modus operandi da empresa), para que seja possível concluir por uma maior ou menor aderência à tese.

 

Fonte: https://tributario.com.br/ran/pis-cofins-insumos-tema-779-subversao-da-tese-firmada/