Repercussões globais da administração Trump: impactos indiretos na reforma tributária brasileira

Por Pedro Fonseca

A presidência de Donald Trump reverberou no debate tributário brasileiro como um terremoto de baixa intensidade — abalando estruturas sem demolir alicerces, mas expondo fissuras na arquitetura fiscal global. Seu estilo agressivo de diplomacia econômica, marcado por ameaças de retaliação a países que implementaram impostos mínimos sobre multinacionais, forçou o Brasil a recalibrar estratégias diante de um tabuleiro geopolítico instável. A ordem executiva de 2025, que contestava o acordo da OCDE, não apenas desestabilizou consensos internacionais como acendeu um debate doméstico: como harmonizar a soberania tributária com os riscos de represálias comerciais?

A adoção brasileira do imposto mínimo global em 2024 — medida alinhada ao pacto internacional — transformou-se em alvo direto da retórica trumpista. Ao taxar lucros de multinacionais em 15%, o país navegava entre o duplo desafio de aumentar a arrecadação e evitar fuga de capitais; contudo, a rejeição americana ao modelo da OCDE criou um paradoxo. De um lado, a pressão por justiça fiscal em economias emergentes; de outro, o temor de isolamento em um cenário onde os EUA, sob Trump, reescrevem as regras do jogo sem consultar o pelotão de trás.

A tensão transbordou para o legislativo brasileiro, onde vetos presidenciais a isenções fiscais — como os destinados a fundos imobiliários e do agronegócio — viraram moeda de troca em guerras parlamentares. Grupos de interesse articularam-se nos bastidores, enquanto a equipe econômica defendia a tributação como antídoto contra a erosão da base fiscal. Nesse xadrez, a sombra das políticas protecionistas de Trump amplificou dilemas internos: como atrair investimentos sem se render a uma corrida regulatória para o fundo do poço?

Paralelamente, a “guerra fiscal do IPVA” entre estados brasileiros — com São Paulo e Minas Gerais disputando vantagens para montadoras locais — ilustrou como a incerteza global contamina decisões regionais. A isenção para veículos elétricos, em tese alinhada a agendas ambientais, degenerou em instrumento de competição predatória. Trump, ao desdenhar acordos multilaterais, normalizou inadvertidamente a fragmentação de políticas públicas — ecoando em micro conflitos que minam a coerência do sistema tributário nacional.

A interdependência Brasil-EUA, analisada sob o prisma da balança comercial, revela assimetrias que amplificam esses desafios. Embora o país figure como 16º exportador para os americanos, a dependência de bens industriais de alta tecnologia mantém o Brasil refém de uma relação desequilibrada. As ameaças trumpistas de taxar alumínio e aço em 2017 — contornadas por cotas negociadas — deixaram cicatrizes psicológicas: cada gesto protecionista no Norte ressoa como alerta ao sul, pressionando reformas que equilibrem competitividade e arrecadação.

Nesse cenário, a reforma tributária brasileira transformou-se em campo de batalha onde influências externas e tensões domésticas se entrelaçam. Se Trump não ditou artigos da legislação fiscal, sua postura desestabilizadora redefiniu o contexto de risco — obrigando formuladores de políticas a antecipar-se a tsunamis cambiais, boicotes disfarçados e reviravoltas diplomáticas. A sombra do America First pairou sobre debates técnicos, lembrando que, num mundo de elefantes econômicos, até reformas domésticas dançam ao ritmo de tambores distantes.

Fonte: https://tributario.com.br/pedro-fonseccanwgroup-com-br/repercussoes-globais-da-administracao-trump-impactos-indiretos-na-reforma-tributaria-brasileira/