Zanin oficia OAB sobre uso indevido de IA em petição com precedentes inventados

Por Tiago Angelo

Recurso protocolado na Corte questiona uma decisão do Tribunal Superior do Trabalho

O ministro Cristiano Zanin, do Supremo Tribunal Federal (STF), oficiou a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) na segunda-feira para que a entidade apure suspeitas de uso irregular de ferramentas de inteligência artificial (IA) em uma petição endereçada à Corte.

O texto questiona uma decisão do Tribunal Superior do Trabalho (TST). Todas as páginas do documento possuem marca d’água de um software com ferramentas de IA. A solicitação feita ao Supremo cita precedentes que não existem na Corte e altera o conteúdo de uma súmula vinculante do tribunal.

“Enfatizo, em primeiro lugar, que não foram localizadas as mencionadas decisões que afirmadamente teriam sido proferidas. Já quanto à Súmula Vinculante 6, apesar de ela existir, não tem o conteúdo afirmado na petição inicial”, diz Zanin em trecho da decisão.

A Súmula Vinculante 6 do STF trata da constitucionalidade de remunerações inferiores ao salário mínimo para prestadores de serviço militar. Na petição, no entanto, o advogado diz que a súmula aborda de um tema penal. A solicitação também cita uma série de precedentes que não existem no Supremo.

“Esse fato [a marca d’água indicando uso de software], aliado às citações de julgados inexistentes, assim como afirmações falsas sobre o conteúdo de súmula vinculante e acórdão desta Suprema Corte permite concluir que o advogado subscritor da exordial possivelmente usou ferramenta de inteligência artificial na elaboração da petição inicial e, sem nenhuma revisão posterior, de forma temerária, protocolou-a no Supremo Tribunal Federal”, diz a decisão.

Para Zanin, a OAB deve apurar possível violação ao Estatuto da Advocacia. Para ele, há indício de má-fé processual, pois o autor teria falseado “precedentes vinculantes”. Além de oficiar a entidade, o ministro do STF condenou o advogado ao pagamento em dobro das custas iniciais do processo.

O advogado Daniel Becker, especialista em proteção de dados e tecnologia, disse ao Valor que o caso não é isolado. Segundo ele, há outros processos com indício de utilização irregular de ferramentas de inteligência artificial. Episódios como esse, acrescenta, nem sempre indicam má-fé dos advogados, mas um certo “iletramento” sobre o uso de novas te

“O regulamento europeu tem uma disposição que trata do letramento na tecnologia, da importância de educar sobre o uso de novas tecnologias, justamente para que as pessoas entendam as funcionalidades e limitações da inteligência artificial”, afirma.

Ainda segundo Becker, parte dos softwares acaba criando textos que na verdade não existem como parte da jurisprudência dos tribunais. De acordo com ele, o tema moveu a OAB a aprovar em 2024 uma série de recomendações sobre o uso de inteligência artificial na advocacia. O texto orienta, por exemplo, que a utilização de programas tenha supervisão humana. Também diz que deve haver “especial atenção” ao “levantamento de doutrina e jurisprudência”.

“O advogado deve cumprir estritamente com os deveres estabelecidos no artigo 77 do Código de Processo Civil, em especial no que diz respeito à veracidade das informações apresentadas em juízo, mesmo que essas sejam coletadas com apoio de recursos tecnológicos”, diz trecho da recomendação da OAB.

Ainda de acordo com o documento, a “dependência excessiva” de ferramentas de IA é “inconsistente com a prática da advocacia” e não pode substituir a análise realizada pelo advogado.

“Recomenda-se que o advogado que opte pelo uso de ferramentas de IA generativa compreenda razoavelmente como a tecnologia funciona, as limitações, os riscos a ela associados, e os termos de uso e outras políticas aplicáveis a respeito do tratamento de dados realizados”, prossegue a orientação.

 

Fonte: https://valor.globo.com/legislacao/noticia/2025/05/14/zanin-oficia-oab-sobre-uso-indevido-de-ia-em-petio-com-precedentes-inventados.ghtml