Nos últimos meses, tem-se observado uma nova “efervescência” na discussão acerca da inclusão (ou não) dos créditos presumidos de ICMS na base de cálculo do IRPJ e da CSLL. Embora essa temática não seja novidade no cenário tributário, os movimentos do governo federal para aumentar a arrecadação, aliados ao posicionamento recente de nossos tribunais superiores, recolocaram o assunto sob holofotes e despertaram apreensão em diversos segmentos empresariais.
Para contextualizar, vale lembrar que o Superior Tribunal de Justiça (STJ) já havia reconhecido, em julgados anteriores (como o REsp 1.517.492/PR), a exclusão dos créditos presumidos de ICMS da base de cálculo do IRPJ/CSLL, sob o argumento de que a tributação desses valores ofenderia o pacto federativo. Essa posição está diretamente vinculada à autonomia dos Estados na concessão de incentivos fiscais. Em paralelo, há o entendimento — também consolidado em discussões do STJ — de que subvenções negativas (casos de isenção, redução de base de cálculo e diferimento) não deveriam sofrer a incidência de tributos federais, à luz do mesmo raciocínio de não “intromissão” indevida da União em benefícios concedidos pelos entes estaduais.
No entanto, a Medida Provisória nº 1.185, posteriormente convertida na Lei 14.789/2023, veio modificar substancialmente esse cenário. Isso porque o artigo 21, inciso IV, dessa lei revogou o artigo 30 da Lei 12.973/2014, que servia de base legal para afastar a tributação das subvenções de ICMS, notadamente aquelas enquadradas como subvenções para investimento. Em outras palavras, o contribuinte que antes se valia do dispositivo legal para fundamentar a exclusão dos benefícios fiscais de ICMS da base de cálculo do IRPJ e CSLL pode agora se ver “desprovido” de uma norma expressa sustentando essa tese.
A situação se torna ainda mais interessante (para não dizer desafiadora) quando consideramos que a nova lei instituiu um modelo de crédito tributário limitado e burocrático para “equilibrar” a questão, o que pode implicar maior controle e eventual restrição na utilização desses incentivos. Nesse mesmo contexto, a Fazenda Pública tem passado a defender que a revogação do artigo 30 da Lei 12.973/2014 atingiria também o fundamento para excluir os créditos presumidos da tributação federal, ignorando que a tese de não inclusão repousa, essencialmente, na defesa do pacto federativo — e não apenas na antiga redação legal.
Ademais, o STJ voltou a afetar (na sistemática de recursos repetitivos) processos que discutem a possibilidade de exclusão de créditos presumidos de ICMS da base de cálculo do IRPJ/CSLL, a exemplo de controvérsias mais recentes (como a n.º 576/STJ). Em jogo, está a esperança dos contribuintes de ver consolidado em definitivo o entendimento já sinalizado anteriormente: o de que subvenções outorgadas pelos Estados, quando caracterizadas como incentivo ao desenvolvimento regional ou industrial, não representam acréscimo patrimonial e, por conseguinte, não deveriam ser alvo de tributação pela União.
Entretanto, há de se lembrar que a discussão não fica restrita somente aos créditos presumidos. Muitos Estados adotam outros modelos de subvenção econômica e financeira-fiscal, como redução de base de cálculo, isenções ou até mesmo diferimentos, trazendo uma miríade de variações práticas. Com o julgamento do Tema 1.182, o STJ traçou distinções entre subvenções positivas (créditos presumidos) e negativas (isenções, reduções e diferimentos), reforçando a ideia de que, embora a lógica seja a mesma — a não invasão da União sobre benefícios concedidos pelos Estados —, há fundamentos legais distintos que, até recentemente, se apoiavam principalmente no artigo 30 da Lei 12.973/2014. A revogação desse dispositivo, portanto, mexeu nas bases de sustentação jurídica, mas não necessariamente “derrubou” a tese ligada ao pacto federativo, gerando um certo suspense quanto aos efeitos práticos.
Para agravar o cenário, a Receita Federal do Brasil (RFB), por meio do Ato Declaratório Interpretativo (ADI) RFB nº 4, tem buscado delimitar criteriosamente as condições em que o contribuinte poderia efetivamente excluir os incentivos de ICMS do lucro real. Aqui, surgiu outra questão, a do repasse no preço: se o contribuinte utiliza o benefício para reduzir seu custo e, ao mesmo tempo, reflete essa economia no valor final do produto, haveria efetivo acréscimo patrimonial? Sem dúvida, esse ponto vem se tornando alvo de debate, pois a própria caracterização de “aumento de margem” passa a depender do comportamento econômico adotado pelo beneficiário — e nem sempre é simples comprovar se houve ou não repasse na prática.
Assim, nos benefícios concedidos com exigência de repasse no preço não existiria ganho efetivo, pois o contribuinte estaria repassando a vantagem ao consumidor, mantendo inalterada a sua rentabilidade. Já nos benefícios em que não há repasse obrigatório, poderíamos falar em acréscimo patrimonial, pois a “folga” tributária tende a se transformar em margem adicional de lucro para a empresa.
A discussão, portanto, não se resume a uma simples leitura de dispositivos legais: envolve também a análise econômica da operação, a regulamentação estadual específica (as condições para fruir o benefício fiscal) e a forma como o contribuinte contabiliza essa vantagem em seus balanços. Como se sabe, para muitos incentivos, a legislação contábil (notadamente o CPC 07) oferece caminhos para registrar o benefício, mas nem sempre a simples escritura contábil é suficiente para adequar a realidade fática — e, por consequência, afastar a incidência do IRPJ/CSLL.
Em suma, continuamos em um momento delicado. Se, por um lado, há precedentes favoráveis aos contribuintes e uma sólida fundamentação no pacto federativo, por outro, a recente Lei 14.789/2023 e a ênfase governamental na arrecadação podem levar a uma reviravolta jurisprudencial que inviabilize ou restrinja a exclusão de créditos presumidos (e demais subvenções de ICMS) da base do IRPJ/CSLL.
Nesse contexto, o recomendado é que as empresas beneficiárias revisitem seus programas de compliance tributário, avaliem a forma de contabilização dos incentivos e fiquem atentas aos desdobramentos do STJ. Afinal, embora o pacto federativo seja um pilar constitucional robusto, o apetite arrecadatório da União e o incessante vai e vem normativo ainda podem trazer (mais) capítulos dramáticos nessa novela tributária, que, pelo visto, está longe de um desfecho definitivo.
Fonte: https://tributario.com.br/jefferson-souza/a-discussao-creditos-presumidos-de-icms-e-a-tributacao-no-irpj-csll-ainda-persiste/