Por Thiago Santana Lira
O Conselho Administrativo de Recursos Fiscais – CARF, aprovou 16 novas súmulas para orientar os julgamentos de diversos temas repetitivos em âmbito administrativo.
Dentre eles, a [i]2ª Turma aprovou sumula sobre responsabilidade solidária entre empresas do mesmo grupo econômico com o seguinte teor:
9ª “As empresas que integram grupo econômico de qualquer natureza respondem solidariamente pelo cumprimento das obrigações previstas na legislação previdenciária, nos termos do art. 30, inciso IX, da Lei nº 8.212/1991, c/c o art. 124, inciso II, do CTN, sem necessidade de o fisco demonstrar o interesse comum a que alude o art. 124, inciso I, do CTN.”
Ou seja, a sumula editada no âmbito do CARF extrapola os requisitos legais no tocante a responsabilidade tributária, sendo que a mera condição de grupo econômico colocaria as empresas como solidárias, sem necessidade da demonstração de interesse comum no lançamento.
O artigo 124, I do Código Tributário Nacional dispõe que:
Art. 124. São solidariamente obrigadas:
I – as pessoas que tenham interesse comum na situação que constitua o fato gerador da obrigação principal;
Assim, temos que a legislação estabelece a regra para que seja demonstrada a responsabilidade tributária, ou seja, o interesse comum no lançamento cabendo aos entes tributantes a consumação do fato à norma para sua aplicação.
Contudo, o desvirtuamento da norma e a ânsia arrecadatória do Estado trouxe inúmeras demandas judiciais, a qual a cobrança do débito contraído pela pessoa jurídica foi estendida a terceiros sem observar diversos princípios e requisitos legais, o que trouxe uma vasta jurisprudência sobre a matéria.
Os acórdãos no âmbito do CARF, utilizados como precedentes para aprovação da sumula, discutem a possibilidade de responsabilizar empresas do mesmo grupo econômico como solidárias ao pagamento de verbas previdenciárias, contudo, não dispensam a comprovação no plano fático da sua existência, vide jurisprudência utilizada no voto do relator de um dos casos – Acórdão nº 9202007.682 – 2ª Turma:
“PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. INEXISTÊNCIA DE OMISSÃO, CONTRADIÇÃO OU OBSCURIDADE NO ACÓRDÃO RECORRIDO. INDEFERIMENTO DE PROVA PERICIAL E TESTEMUNHAL. CERCEAMENTO DE DEFESA. INEXISTÊNCIA. REVISÃO. SÚMULA N. 7 DO STJ. GRUPO ECONÔMICO. COMANDO ÚNICO. EXISTÊNCIA DE FATO. SOLIDARIEDADE. ART. 124, INC. II, DO CTN C/C ART. 30, INC. IX, DA LEI N. 8.212/91. TRIBUTO SUJEITO A LANÇAMENTO POR HOMOLOGAÇÃO. INEXISTÊNCIA DE PAGAMENTO ANTECIPADO. LANÇAMENTO DE OFÍCIO. DECADÊNCIA DO DIREITO DE O FISCO CONSTITUIR O CRÉDITO TRIBUTÁRIO. TERMO INICIAL. ARTIGO 173, I, DO CTN. AJUDA DE CUSTO. DIÁRIAS. DESCARACTERIZAÇÃO. NATUREZA SALARIAL CONFIGURADA. INCIDÊNCIA DE CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA. COMPENSAÇÃO. POSSIBILIDADE. SÚMULA N. 306 DO STJ. (…) 4. Incide a regra do art. 124, inc. II, do CTN c/c art. 30, inc. IX, da Lei n. 8.212/91, nos casos em que configurada, no plano fático, a existência de grupo econômico entre empresas formalmente distintas mas que atuam sob comando único e compartilhando funcionários, justificando a responsabilidade solidária das recorrentes pelo pagamento das contribuições previdenciárias incidentes sobre a remuneração dos trabalhadores a serviço de todas elas indistintamente. (REsp 1144884/SC, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 07/12/2010, DJe 03/02/2011)” (g.n).
Ou seja, a sumula aprovada pelo CARF não só extrapolou o teor dos seus próprios precedentes, como também a jurisprudência pacífica no âmbito do Superior Tribunal de Justiça – STJ:
PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO. ISS. EXECUÇÃO FISCAL. PESSOAS JURÍDICAS QUE PERTENCEM AO MESMO GRUPO ECONÔMICO. CIRCUNSTÂNCIA QUE, POR SI SÓ, NÃO ENSEJA SOLIDARIEDADE PASSIVA. (…) 2. A Primeira Seção/STJ pacificou entendimento no sentido de que o fato de haver pessoas jurídicas que pertençam ao mesmo grupo econômico, por si só, não enseja a responsabilidade solidária, na forma prevista no art. 124 do CTN. Precedentes: EREsp 859616/RS, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 09/02/2011, DJe 18/02/2011; EREsp 834044/RS, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 08/09/2010, DJe 29/09/2010). 3. O que a recorrente pretende com a tese de ofensa ao art. 124 do CTN – legitimidade do Banco para integrar a lide -, é, na verdade, rever a premissa fixada pelo Tribunal de origem, soberano na avaliação do conjunto fático-probatório constante dos autos, o que é vedado ao Superior Tribunal de Justiça por sua Súmula 7/STJ. 4. Agravo regimental não provido. AgRg no Ag 1392703/RS. Min MAURO CAMPBELL.
Um dos princípios que devem ser observados é o do contraditório e ampla defesa em sede administrativa para fins de responsabilização, pois, é indevida a inclusão de terceiros no título executivo de cobrança sem observar o disposto no [ii]artigo 135 do CTN, além de comprovação de interesse comum no lançamento.
Isto porque, a entidade empresarial possui autonomia patrimonial e responde diretamente pelas obrigações assumidas, não se confundindo com as demais entidades organizadas em grupo empresarial, cabendo assim a fiscalização comprovar a existência de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos, além de confusão patrimonial.
Os institutos de responsabilidade tributária e sujeição passiva são basilares nas normas primárias do Direito Tributário, em que a responsabilidade contraída por parte da sociedade somente poderá ser transferida a terceiros quando efetivamente comprovada a confusão patrimonial ou demonstrado o interesse comum no lançamento, para fins de redirecionamento da cobrança.
A edição da sumula no âmbito do CARF servirá como entendimento orientador para julgamento do tema nas instâncias inferiores, assim, certamente aumentará consideravelmente o contencioso no âmbito judicial, tendo em vista os entendimentos já pacificados pelo STJ.
[i] http://normas.receita.fazenda.gov.br/sijut2consulta/link.action?idAto=140434
[ii] Art. 135. São pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de podêres ou infração de lei, contrato social ou estatutos: I – as pessoas referidas no artigo anterior; II – os mandatários, prepostos e empregados; III – os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado.
Fonte: https://tributario.com.br/thlira88/carf-sumula-sobre-responsabilidade-solidaria-em-grupo-economico-pode-gerar-judicializacao-do-tema/