A tributação das gorjetas, frequentemente incluídas como “taxa de serviço” em contas de restaurantes, bares e hotéis, sempre foi objeto de debates no meio jurídico tributário em face da discussão da sua natureza. Recentemente, o STJ pacificou o entendimento de que as gorjetas possuem natureza jurídica salarial, configurando-se como um valor que transita na contabilidade da empresa apenas para ser repassado integralmente aos empregados. Assim, não há como considerar esses valores como receita própria ou lucro do empregador.
Entre os precedentes mais relevantes, destaca-se o AgInt no REsp 1.668.117/PR, no qual o ministro Sérgio Kukina reafirmou que as gorjetas não constituem renda própria do empregador e, por isso, não podem ser incluídas na base de cálculo do IRPJ, CSLL, PIS e Cofins. Essa linha de entendimento foi replicada em decisões subsequentes, como no AREsp 1.604.057/PE, cujo relator, ministro Herman Benjamin, enfatizou que as gorjetas apenas “transitam pela contabilidade” das empresas, não compondo a receita bruta ou o faturamento.
O STJ também ressaltou a relevância do conceito de “trânsito contábil” para definir a natureza das gorjetas. Isso significa que o valor não permanece no patrimônio da empresa, sendo apenas uma passagem contábil com destino certo: os trabalhadores.
Para os bares, restaurantes e hotéis que operam sob o regime de lucro presumido, o impacto da decisão é relevante já que as gorjetas não devem ser mais consideradas para cálculo de tributos como o IRPJ, a CSLL, o PIS e a Cofins, reduzindo a carga tributária sobre as operações. Antes, a tese da Fazenda Nacional sustentava que, ao ingressar no caixa da empresa, os valores deveriam ser incluídos na base de cálculo de todos esses tributos.
Nesse contexto, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) agora replica o entendimento do STJ de que, no caso de empresas no regime de lucro presumido, as gorjetas não integram a base de cálculo do Imposto de Renda Pessoa Jurídica (IRPJ), Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), Programa de Integração Social (PIS) e Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins). A PGFN, por meio do Parecer SEI nº 129/2024/MF, destacou que a posição consolidada do STJ resultou de diversos precedentes que trataram da natureza das gorjetas e da sua implicação tributária. O reconhecimento pela PGFN do entendimento do STJ implica a inclusão do tema na lista de dispensa de contestação e de recursos da própria Fazenda. Isso significa que a Receita Federal não constituirá novos créditos tributários relacionados a essa matéria e deixará de recorrer contra decisões judiciais desfavoráveis.
No entanto, o entendimento aplicado ao regime de lucro presumido não é extensível a todos os regimes tributários. Para as empresas que optam pelo lucro real, a situação é distinta. Nesse regime, o valor das gorjetas pode ser tratado como despesa dedutível, ou seja, pode ser abatido da base de cálculo do IRPJ e da CSLL. No entanto, não se discute nesse contexto a incidência de PIS e Cofins.
Para as empresas do Simples Nacional, o cenário continua ainda incerto. Isso porque, no Simples, a base de cálculo é a receita bruta. A Fazenda Nacional sustenta que as gorjetas, sejam compulsórias ou espontâneas, integram a receita bruta utilizada como base de cálculo do Simples Nacional. Esse entendimento pode ser verificado, por exemplo, nas Soluções de Consulta Cosit nº 99, de 3 de abril de 2014, e nº 191, de 27 de junho de 2014. De acordo com essa interpretação fazendária, a Lei Complementar 123/2006, que regulamenta o Simples Nacional, estabelece de forma taxativa as hipóteses de exclusão do conceito de receita bruta, de modo que a taxa de serviço deve ser incluída na receita bruta do estabelecimento e, consequentemente, sujeita à tributação.
Apesar de o STJ já ter decidido que as gorjetas não compõem o conceito de receita bruta no Simples Nacional, (AREsp 2.381.899) o entendimento ainda não foi aplicado de forma consolidada para todas as situações, conforme destacado pelo próprio Parecer SEI nº 129/2024/MF. Assim, a PGFN ainda não autorizou a dispensa de contestação e recursos em relação à inclusão das gorjetas no cálculo do Simples Nacional o que pode ainda levar os contribuintes a serem autuados pelo fisco.
Fonte: https://tributario.com.br/jefferson-souza/mesmo-com-a-ratificacao-do-stj-a-fazenda-nacional-ainda-defende-tributacao-de-gorjetas-no-simples/