A adesão do Brasil às regras globais de tributação mínima, sob a coordenação da OCDE no contexto do Pilar 2 do projeto BEPS, vem marcando um ponto de inflexão na política tributária nacional. A Medida Provisória nº 1.262/24 e a recente Lei nº 15.079/24 consolidaram a adoção do adicional de CSLL como instrumento para assegurar uma alíquota efetiva mínima de 15% sobre os lucros das empresas multinacionais com faturamento anual superior a € 750 milhões. Contudo, a implementação dessas diretrizes já está levantando questionamentos sobre sua adequação constitucional e eficácia prática.
As regras do Pilar 2 visam coibir a concorrência fiscal entre nações e desincentivar planejamentos tributários abusivos. A OCDE delineou um modelo de tributação que inclui a “Income Inclusion Rule” (IIR) e a “Undertaxed Payments Rule” (UTPR), destinadas a garantir que nenhuma jurisdição mantenha alíquotas efetivas abaixo do mínimo global.
No caso brasileiro, a opção pelo adicional de CSLL, em vez do IRPJ, foi justificada pela preservação de regimes fiscais regionais, como a Zona Franca de Manaus, e pela flexibilidade na modulação de alíquotas, conforme o art. 195, §9º, da Constituição. Entretanto, essa escolha tem gerado críticas, especialmente pela exclusão dos entes federativos da partilha de receitas, prevista no art. 159, I, da Constituição.
Entre os aspectos positivos, destaca-se a harmonização tributária com padrões globais, fortalecendo a competitividade do Brasil no cenário internacional. Além disso, a arrecadação adicional prevista pode gerar receitas bilionárias pa a União, conforme estimado pela Receita Federal: R$ 3,44 bilhões em 2026, R$ 7,28 bilhões em 2027 e R$ 7,69 bilhões em 2028.
Outro benefício reside na promoção de maior transparência fiscal. Ao exigir uma análise detalhada das alíquotas efetivas de cada jurisdição, o Pilar 2 força as empresas a adotarem práticas mais rigorosas de compliance tributário.
Por outro lado, a escolha da CSLL como instrumento para implementação do Pilar 2 levanta sérios questionamentos jurídicos. Alguns tributaristas já apontam que sua configuração não apenas adiciona complexidade ao sistema tributário, mas também desvirtua os objetivos de justiça fiscal e equilíbrio federativo. Um detalhe importante, por exemplo, é a ausência de partilha de receitas com estados e municípios (pois se fosse instituído um adicional de IRPJ haveria a repartição constitucional) enfraquece o pacto federativo, gerando potenciais perdas de arrecadação para fundos como FPM e FPE.
Ademais, a estrutura paralela criada pela CSLL pode dificultar a compatibilidade com as regras globais, com potencial de minar a adesão plena do Brasil ao sistema internacional.
A adoção do Pilar 2 no moldes “brasileiro” evidencia a necessidade de reformas estruturais na legislação tributária sobre a renda. O IRPJ seria o instrumento mais adequado para implementar a tributação mínima global, por estar diretamente alinhado à ontologia das regras GloBE e permitir uma integração mais transparente com o federalismo fiscal brasileiro. Além disso, a implementação deveria priorizar a simplicidade e a eficiência administrativa. A adoção de tecnologias para automatizar o cálculo e o reporte de alíquotas efetivas deve ser um norte para garantir o sucesso das novas regras.
Assim, a tributação mínima global representa um avanço significativo no combate à erosão de bases tributárias. Contudo, sua implementação no Brasil exige ainda ajustes legislativos e administrativos para garantir que os objetivos de justiça fiscal, transparência e competitividade sejam plenamente alcançados. O desafio está em equilibrar a adesão às normas internacionais com o respeito aos princípios constitucionais e tributários da tributação sobre a renda e à atual dinâmica federativa do país.
REFERENCIAS
mpv1262. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2023-2026/2024/Mpv/mpv1262.htm>. Acesso em: 6 jan. 2025.
Justificativa MP 1.262/24 – https://www.planalto.gov.br/cciviL_03/_Ato2023-2026/2024/Exm/Exm-1262-24.pdf. Acesso em: 6 jan. 2025.
L15079. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2023-2026/2024/lei/L15079.htm>. Acesso em: 6 jan. 2025.
Pillar 2 e a implementação da tributação mínima global. Disponível em: <https://www.deloitte.com/br/pt/services/tax/perspectives/pillar-2-tributacao-minima-global.html>. Acesso em: 6 jan. 2025.
ALMEIDA, R. Consultor Jurídico. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2024-dez-14/tributacao-minima-global-no-brasil-inadequacao-da-csll-regras-globe-e-a-equidade-federativa/>. Acesso em: 6 jan. 2025.
FONTE: https://tributario.com.br/jefferson-souza/tributacao-minima-global-modelo-brasileiro-ja-enfrenta-desafios-de-implementacao-e-possiveis-inconstitucionalidades/