Por Luiza Calegari
O Tribunal Superior do Trabalho (TST) definiu que as novas regras do Código Civil sobre correção monetária de dívidas, que entraram em vigor neste ano, devem ser aplicadas às ações trabalhistas. A decisão foi tomada pela Subseção 1 Especializada em Dissídios Individuais (SDI-1).
Deve-se aplicar a partir da citação, de acordo com o julgamento, o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA/IBGE). E os juros de mora serão compostos pela Selic menos o IPCA. Se a Selic for menor que a inflação do período, a taxa será considerada zero.
A decisão, segundo especialistas, ainda não encerra a discussão sobre o tema, mas aponta uma direção para uniformizar os critérios da Justiça do Trabalho que, desde a edição das mudanças no Código Civil, vinha se dividindo sobre a sua aplicação.
Como a alteração nas regras de correção é recente, o colegiado só aplicou o entendimento a partir de sua vigência. Definiu que, na fase pré-judicial, incide o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo Especial (IPCA-E); do ajuizamento da ação até 29 de agosto, a Selic; e, a partir de 30 de agosto, na vigência das novas determinações do Código Civil, a incidência de IPCA como índice de atualização, e os juros calculados pela Selic descontado o IPCA (E-ED-RR 713-03.2010.5.04.0029).
O fatiamento mostra a sequência das normas usadas na correção de dívidas trabalhistas ao longo do tempo. Na vigência da Lei nº 8.177/1991, deveria ser aplicada a Taxa Referencial (TR) mais 1% de juros mensais. Como a TR ficou desatualizada e não houve nova norma sobre o tema, a Justiça do Trabalho passou a aplicar o IPCA-E, de acordo com o advogado Marcos Fantinato, sócio trabalhista do Machado Meyer Advogados.
Em 2020, o Supremo Tribunal Federal (STF) definiu que o IPCA-E deveria ser usado para corrigir as dívidas na fase pré-judicial, mas que, a partir da citação, a correção e os juros deveriam seguir a Selic, até que fosse editada nova lei sobre o tema (ADCs 58 e 59).
Em junho de 2024, a Lei nº 14.905 alterou o Código Civil para prever que, na ausência de combinação, os contratos civis devem ser atualizados pelo IPCA (artigo 389) e que, quando não pactuada previamente, a taxa de juros a ser adotada é a Selic, descontada a inflação (artigo 406).
Especialistas apontam que o principal ponto positivo da decisão do TST foi a agilidade para aplicar a nova legislação e apontar um direcionamento para o Judiciário. Marcos Fantinato ressalta que, embora a decisão do TST não tenha caráter vinculante, tem “efeito persuasivo inegável”.
Hélio Zylbersztajn, professor sênior da Faculdade de Economia e Administração da USP, também elogia a agilidade na aplicação do entendimento. “Quando surge uma situação como essa, a Justiça do Trabalho normalmente demora anos para decidir. E o que foi decidido faz sentido econômico, é uma solução bastante razoável.”
Luciano Andrade Pinheiro, sócio do Corrêa da Veiga Advogados, lembra que muitos Tribunais Regionais do Trabalho (TRTs) ainda estão “vacilantes” em relação à aplicação do Código Civil e “agora, com a nova regra, fica muito mais fácil de aplicar”.
Por outro lado, não há consenso entre os especialistas a respeito de como fica a correção das dívidas antes da citação, já que o caso julgado pelo TST vinha correndo há anos, e o Código Civil não faz essa diferenciação.
Também não é possível prever com segurança quem vai se beneficiar com a mudança, segundo os advogados. Há quem defenda que a alteração será prejudicial para as empresas. Fernanda Pimentel, sócia na área de Direito Trabalhista e Previdenciário de TozziniFreire Advogados, diz que a alteração “traz preocupação às empresas quanto à possibilidade de oneração excessiva de seus débitos trabalhistas”.
Para Ricardo Calcini, professor e sócio do Calcini Advogados, a expectativa para os trabalhadores é de atualização dos créditos trabalhistas em comparação com o sistema atual. “Para as empresas, necessário será rever os provisionamentos decorrentes dos passivos trabalhistas.”
Por outro lado, Lúcio Fernandes Furtado, advogado do Cecilia Costa Advogados, que representou o trabalhador na ação, acredita que, apesar do aparente avanço, persiste o dano ao empregado, uma vez que “caso a inadimplência fosse de natureza civil e entre as mesmas partes, a indenização pela demora na quitação do débito seria maior”. Para ele, “vale mais a pena para a empresa, ao buscar capital de giro, deixar de pagar dívidas trabalhistas”.
Existe ainda questionamento sobre adotar o Código Civil na Justiça do Trabalho. Paulo Roberto Fogarolli Filho, advogado trabalhista do escritório Duarte Garcia, Serra Netto e Terra, diz que, como a Lei nº 8.177 não foi declarada inconstitucional pelo STF, apenas interpretada, ela continua vigente e, como norma específica para as dívidas trabalhistas, deve se sobrepor às alterações genéricas do Código Civil.
“O TST deveria ter adotado o posicionamento já definido pelo STF como critério de atualização do crédito trabalhista, considerando que a alteração trazida pela Lei nº 14.905/2024 não indica, de forma expressa, que os créditos trabalhistas estariam contemplados pela modificação legislativa”, afirma.
Esse raciocínio vinha dividindo as instâncias inferiores. Uma decisão da 3ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região (DF/TO) trouxe essa ressalva. “Uma vez que os débitos trabalhistas são definidos por legislação especial, a alteração promovida pela Lei nº 14.905/2024, de natureza geral, não se aplica aos débitos trabalhistas”. Apesar dessa consideração, como o colegiado já tinha precedente a respeito, a Lei nº 4.905 foi aplicada ao caso (processo nº 0000178-22.2022.5.10.0018).
Já na 1ª Vara do Trabalho de Santo André (SP), o entendimento foi pela não aplicação das regras do Código Civil. “A Lei nº 14.905/2024 não constitui a ‘solução legislativa’ mencionada no item 5 da ementa, no voto e na conclusão do acórdão da ADC 58 do STF, visto que não se trata de norma específica para créditos trabalhistas”, afirma a juíza na sentença (processo nº 1001214-58.2024.5.02.0431).
O processo analisado pelo TST opunha um trabalhador à AES Sul, hoje RGE, pertencente ao grupo CPFL, e à Fundação CEEE de Seguridade Social (Eletrocee). Procurada, a RGE informou que “está avaliando o teor da decisão e se manifestará oportunamente junto ao Judiciário sobre o tema”. A defesa da Eletrocee não se manifestou.