Desdobramentos da rejeição do Convênio CONFAZ nº 174/2023 (decorrentes da ADC nº 49/RN) – Transferência de créditos de ICMS entre estabelecimentos do mesmo contribuinte

23/11/2023 (1 dia atrás)

Como sabido, na Ação Direta de Constitucionalidade (ADC) nº 49/RN, o Supremo Tribunal Federal (STF), decidiu que “O deslocamento de mercadorias entre estabelecimentos do mesmo titular não configura fato gerador da incidência de ICMS, ainda que se trate de circulação interestadual.” E que “ que a transferência interestadual da mercadoria entre estabelecimentos de uma mesma pessoa jurídica equivale, portanto, a mera movimentação física.

Em relação aos créditos de ICMS, no julgamento dos Embargos de Declaração da ADC em questão, houve modulação dos efeitos da decisão, em que a sua eficácia foi atribuída para ocorrer a partir do início de 2024, ressalvados os processos administrativos e judiciais pendentes de conclusão até a data de publicação da ata de julgamento da decisão de mérito.

Assim, os Estados deveriam disciplinar para vigência até o início de 2024, como passaria a ocorrer a transferências de créditos de ICMS entre estabelecimentos do mesmo titular. Caso não haja a regulamentação, ficará reconhecido o direito de os contribuintes transferirem os mencionados créditos.

A fim de atender ao decidido na ADC nº 49/RN, foi publicado em 01/11/2023, o Convênio de ICMS do Conselho de Política Fazendária (CONFAZ) nº 174/2023, que “Dispõe sobre a remessa interestadual de bens e mercadorias entre estabelecimentos de mesma titularidade”.

Assim, pelo teor de partes principais do Convênio tem-se que:

• na remessa interestadual de bens e mercadorias entre estabelecimentos de mesma titularidade, tornou-se obrigatória a transferência de crédito do ICMS do estabelecimento de origem para o estabelecimento de destino;

• o ICMS a ser transferido será lançado:

(I) a débito na escrituração do estabelecimento remetente, mediante registro do documento no Registro de Saídas;
(II) a crédito na escrituração do estabelecimento destinatário, mediante o registro do documento no Registro de Entradas;

• na hipótese de haver saldo credor de ICMS pelo estabelecimento remetente, este será apropriado pelo contribuinte junto à Unidade Federada de origem, observado o disposto na sua legislação interna;

• em cada remessa, a transferência de crédito de ICMS será consignada na Nota Fiscal (NF-e) que acobertar a operação, no campo destinado ao destaque do imposto;

• a proporção de crédito de ICMS a ser transferido corresponderá ao resultado da aplicação das alíquotas interestaduais do ICMS sobre os seguintes valores dos bens e mercadorias:

(I) o valor correspondente à entrada mais recente da mercadoria;
(II) o custo da mercadoria produzida ou
(III) em se tratando de mercadorias não industrializadas, a soma dos custos de sua produção;

A transferência de créditos de ICMS de acordo com a sistemática do Convênio ICMS nº 174/2023:

(I) deverá observar o registro dos créditos correspondentes ao ICMS a que tenha direito o remetente, decorrentes de operações e prestações antecedentes;

(II) não importará no cancelamento ou modificação dos benefícios fiscais concedidos pela unidade federada de origem, hipótese em que, quando for o caso, deverá ser efetuado o lançamento de um débito, equiparado ao estorno de crédito previsto na legislação tributária instituidora do benefício fiscal deverá ser efetuado o lançamento de um débito (equiparado ao estorno de crédito previsto na legislação instituidora do benefício fiscal).

Todavia, para um Convênio do CONFAZ ser considerado válido e passível de eficácia, deve ser internalizado pelos Estados, sendo necessário que respectivos Poderes Executivos, cada qual, publique Decreto ratificando os convênios celebrados (art. 4º da Lei Complementar nº 24/1975). Com isso, para que um convênio seja eficaz precisaria ser ratificado por todos os Estados e pelo Distrito Federal.

Ocorre que no caso, o Estado do Rio de Janeiro, em 17/11/2023, publicou o Decreto nº 48.799, declarando sua não ratificação (rejeitando) ao Convênio ICMS nº 174/2023, em que o CONFAZ emitiu e publicou em 20/11/2023 o Ato Declaratório nº 44/2023, rejeitando, por tanto o mencionado Convênio.

No Decreto do Estado do Rio Janeiro, além de outras considerações, há a descrição de que:

• no voto do Ministro Dias Toffoli, nos Embargados de Declaração que modulou os efeitos da decisão na ADC nº 49/RN, ficou claro que “as transferências interestaduais de bens de titularidade do mesmo contribuinte não geraria o dever de estorno dos créditos das operações anteriores”. E assim, “surgem questões complexas com repercussões tanto para os contribuintes quanto para os entes federados que deverão ser enfrentados por meio de Lei Complementar” (art. 155, §2º, XII da CF/1988). Soma-se a isso que “surgirão legislações estaduais e do CONFAZ versando sobre o presente tema, a fim de uniformizar procedimentos a serem observados pelos estados e pelo Distrito Federal”;

• “caberia ao CONFAZ apenas uniformizar os procedimentos a serem observados pelos estados e pelo Distrito Federal quanto a manutenção do direito ao creditamento de ICMS nas hipóteses de transferência interestadual de bens e mercadorias entre estabelecimentos de mesma titularidade, não cabendo ao Convênio dispor contrariamente à faculdade assegurada ao sujeito passivo de creditar-se do imposto anteriormente cobrado em operações de que tenha resultado a entrada de mercadoria, em respeito não cumulatividade, assim como previsto pelo artigo 10 da Lei Complementar Federal nº 87/1996 e art. 155, §2º, inciso XII, alínea d, da CF/88”;

• ao contrário do contido no mencionado Convênio de ICMS nº 174/2023, em sua Cláusula Primeira, de que deveria ser obrigatória a transferência de créditos do estabelecimento de origem para o estabelecimento de destino do mesmo contribuinte, no caso da remessa interestadual bens, segundo o Estado do Rio de Janeiro, essa transferência, como decido na ADC nº 49/RN não seria um dever e sim uma faculdade dos contribuintes.

Diante desse quadro, caso não haja a edição de novo Convênio que possa ser ratificado por todos os Estados, os contribuintes, a partir do início de 2024, poderão fazer a transferência de créditos ICMS para o estabelecimento de mesma titularidade ao fazerem as remessas das mercadorias entre os considerados estabelecimentos.

Deve ser evidenciado que existe em tramitação na Câmara do Deputados (numeração na Câmara, PLP nº 116/2023), já tendo sido aprovado no Senado Federal Projeto de Lei Complementar (numeração no Senado, PLS nº 332/2018), que altera a LC nº 87/1996, impedindo-se a incidência de ICMS sobre a remessa de mercadorias entre estabelecimentos de mesma titularidade, assegurando à unidade de destino, a transferência dos créditos, nos percentuais incidentes sobre a operação de transferência realizada.

Destaca-se que se estabelece, que por opção do contribuinte, “a transferência de mercadoria para estabelecimento pertencente ao mesmo titular poderá ser equiparada a operação sujeita à ocorrência do fato gerador de imposto”. Com isso, a empresa poderá optar por recolher o ICMS (art. 12, §5º do PLS).

Os Estados têm sido contrários à essa parte, que propicia a tributação e a arrecadação ficarem à mercê da vontade do contribuinte. Acrescenta-se a isso que, como o STF, ao decidir a ADC nº 49/RN concedeu aos Estados a prerrogativa de regulamentar a transferência de créditos nessa situação, caso haja aprovação e promulgação do PLS nº 332/2018, poderá haver judicialização da questão por partes do Estado, que não pretendem abrir mão de poderem regulamentar a transferências dos créditos de ICMS.

Como tem sido na seara tributária, a definição de mais essa problemática, demandará cenas de próximos capítulos.

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